Relíquia

PF recupera em Londres livro raro de 1658 furtado de museu do Pará há 16 anos

Exemplar é um entre 60 volumes dos séculos 16 aos 19 retirados da biblioteca que integra a mais antiga instituição científica da Amazônia, fundada em 1866

Por Renato Alves
Publicado em 22 de março de 2024 | 13:29
 
 
A obra holandesa , escrita em latim, foi recuperada graças ao trabalho de cooperação entre a PF e a Polícia Metropolitana de Londres, a Scotland Yard Foto: Divulgação/Polícia Federal

A Polícia Federal (PF) recuperou nesta quinta-feira (21), em Londres, no Reino Unido, um livro raro, de 1658, que havia sido furtado do Museu Emílio Goeldi, em Belém (PA), em 2008. Um entre 60 volumes dos séculos 16 aos 19 retirados da biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna, que integra a mais antiga instituição científica da Amazônia, fundada em 1866.

A obra literária com mais de 350 anos tem origem holandesa, mas foi escrita em latim. Intitulada “De India utriusque re naturali et medica”, ela é de autoria de Guilherme Piso, naturalista e médico holandês, após expedição para um inventário da natureza brasileira entre 1637 e 1644. 

Piso é considerado um dos fundadores da medicina tropical moderna. Seus comentários são os primeiros relatórios detalhados sobre as doenças, efeitos tóxicos e plantas medicinais mais comuns no Brasil. Algumas das plantas citadas ainda hoje são usadas na medicina.

Segundo a PF, a recuperação do exemplar raro é fruto de trabalho de cooperação internacional com a Polícia Metropolitana de Londres (Scotland Yard). A investigações concluíram que três servidores do museu foram negligentes, por isso acabaram denunciados à Justiça em 2011 por peculato culposo em 2011. No entanto, ainda não se sabe quem levou os livros e os distribui mundo afora para venda, tampouco quanto lucrarem com o esquema. 

Outra obra rara foi encontrada na Argentina

A biblioteca do Museu Emílio Goeldi guarda mais de 3 mil obras raras. Depois do grande furto de 2008, a instituição passou a guardar as obras mais valiosas em um cofre.

A instituição percebeu a ausência dos livros em dezembro de 2008, durante treinamento para manuseio e curadoria das coleções da biblioteca, e acredita que o furto tenha ocorrido ao longo de meses, dada a quantidade de obras desaparecidas.

Naquele ano também sumiram da sua coleção os livros “Reise in Chile und auf dem Amazonstrome” (Viagem no Chile e no Rio Amazonas) e “Rerum Medicarum Novae Hispaniae Thesaurus”. Ambos foram recuperados recentemente pela PF.

O primeiro, publicado em 1836, foi escrito pelo naturalista e botânico alemão Eduard Friedrich Poeppig. É um relato da viagem do autor entre 1827 e 1832 pelo Peru, Chile e Rio Amazonas. A obra apresenta descrições abrangentes da geografia, flora, fauna e culturas locais, proporcionando uma visão única da América do Sul no século XIX.

O exemplar foi recuperado pela PF em dezembro de 2023, na Argentina, em ação de cooperação jurídica com o país vizinho. O exemplar foi rastreado e localizado em 2021 no país vizinho, sendo posteriormente entregue pela Aduana Argentina à Embaixada do Brasil em Buenos Aires. No entanto, ninguém foi preso no processo de recuperação.

O outro livro furtado e recuperado pela PF é mais antigo, de 1628. Ele também foi escrito em latim por Francisco Hernandez, um médico e botânico espanhol, pioneiro no estudo da saúde nas Américas. A publicação trata da flora mexicana, detalhando as plantas medicinais. Resultou da “Expedição Espanhola de História Natural do Novo Mundo”, encomendada por Dom Felipe II da Espanha e realizada de 1570 a 1577, especialmente no México. 

Os originais da expedição ficaram guardados na Biblioteca El Ecorial da Espanha, destruída em 17 julho de 1871 por um incêndio. Consequentemente, todos os originais foram perdidos. Felizmente, todo o material da expedição havia sido publicado no “Rerum Medicarum Hispane Thesaurus”, em 1826.

Avaliado em mais de US$ 200 mil (cerca de R$ 1 milhão), o exemplar do museu paraense foi devolvido ao governo brasileiro em março de 2014, após ser oferecido para a casa de leilões nova-iorquina Swann.

Um especialista da galeria Swann foi procurado, no fim de 2013, para avaliar o livro e decidiu checar se constava de uma lista de obras roubadas organizada pela Interpol. Com a confirmação da procedência, a Interpol acionou a Polícia Federal brasileira.

Biblioteca atende público especializado

Inaugurada em 1894 por Emílio Goeldi, a biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna atende público especializado e de caráter acadêmico e científico. Seu acervo é composto por livros, periódicos, folhetos, separatas, mapas, CDs, fotografias, filmes, fitas e microfilmes.

Os usuários interessados em consultar o acervo têm que preencher uma série de requisitos. Entre outros, precisa identificar-se previamente ao curador, e, ao ser aprovado seu pedido, preencher um formulário com dados documentais. 

O acervo só pode ser manuseado com material adequado. Por isso o visitante recebe luvas, máscaras e recomendações de restrições para fotografar e filmar qualquer item. É acompanhado por um servidor até terminar sua consulta.

Localizada no campus de pesquisa do Museu Goeldi, na Avenida Perimetral, em Belém, a biblioteca passou por reforma em 2013.