Decisão

CNJ decide revogar afastamento de Gabriela Hardt e de atual juiz da Lava Jato

Ao votar, Barroso disse que a decisão de do corregedor do CNJ em afastar os juízes foi ilegítima, arbitrária e desnecessária

Por O Tempo Brasília
Publicado em 16 de abril de 2024 | 22:14
 
 
47212132991_1e2aa7a9c6_kjpg Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ

A maioria do plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, nesta terça-feira (16), anular a decisão do corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, que havia afastado a juíza Gabriela Hardt e Danilo Pereira Júnior dos cargos na última segunda-feira (15). Contudo, foram mantidos os afastamentos de outros dois desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

O placar da decisão relativa à manutenção de Gabriela e Pereira Júnior nas funções foi derrubada por 8 votos a 7.  O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, votou contra os afastamentos. Os juízes são, respectivamente, ex e atual titular da 13ª Vara de Curitiba, que é responsável pela operação Lava Jato.

Ao votar, Barroso disse que a decisão de Salomão foi "ilegítima, arbitrária e desnecessária". Ele destacou ainda que não havia necessidade de o corregedor decidir, por meio de uma decisão monocrática, afastar os magistrados um dia antes de uma sessão colegiada do CNJ. O presidente do Supremo ainda leu notas de entidades de juízes que criticaram a decisão do corregedor. 

"Considero que foi ilegítima, arbitrária e desnecessária o afastamento dos juízes por decisão monocrática, sem deliberação da maioria [do Conselho Nacional de Justiça], e sem nenhuma urgência que não pudesse aguardar 24 horas para ser submetida a esse plenário. Entendo que tal decisão contrariou frontalmente decisão do STF", disse Barroso

O presidente do CNJ também pediu vista da análise do mérito do caso. Dessa forma, a decisão de abrir um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra os juízes será analisada posteriormente. Nesse escopo, o hoje senador Sergio Moro (União Brasil - PR), que também está sendo investigado pelo conselho por ações tomadas na época que era responsável pela 13ª Vara de Curitiba. 

Na mesma sessão, o colegiado ainda decidiu - por 9 votos a 6 - pelo afastamento dos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4): Thompson Flores e Loraci Flores de Lima. Para Salomão, eles cometeram irregularidades na condução de processos e violações de deveres funcionais, com desobediência de decisões do STF no âmbito da Lava Jato.

Provas para os EUA contra Petrobras e fundo privado

Relatório elaborado pela Polícia Federal (PF) e entregue ao Conselho Nacional de Justiça  aponta que integrantes da força-tarefa da Lava Jato e magistrados que atuavam nos processos decorrentes da investigação, incluindo o hoje senador Sergio Moro, articulavam para direcionar dinheiro devolvido de supostos casos de corrupção para uma entidade privada gerida por procuradores autores das denúncias.

O dinheiro oriundo de acordos de leniência deveriam ir para a Petrobras e da estatal para a tal entidade privada, o que é ilegal, conforme o documento do CNJ. Ao todo, juízes e procuradores teriam tentado direcionar para o fundo, de forma irregular, R$ 2,5 bilhões. Em nota, Sergio Moro nega irregularidades e afirma que cerca de R$ 2,2 bilhões foram devolvidos à Petrobras sem que “nenhum centavo tenha sido desviado”.

“Ao contrário da menção ao atendimento do ‘interesse público’ e da ‘sociedade brasileira’, as cláusulas do acordo de assunção de compromissos firmado entre força-tarefa e Petrobras prestigiavam a Petrobras, a força-tarefa, em sua intenção de criar uma fundação privada, um grupo restrito de acionistas minoritários, delimitados por um critério eleito pelas partes”, diz trecho do relatório. 

O relatório de inspeção da Corregedoria do CNJ diz ainda que os Estados Unidos obtiveram irregularmente provas contra a Petrobras sem objeção de procuradores da força-tarefa da Lava Jato. Esse material subsidiou o governo norte-americano na construção de um caso criminal contra a companhia brasileira, ainda segundo o relatório de Salomão.

O relatório que é assinado por um delegado da PF e embasa o corregedor nacional de Justiça diz que a fundação que seria criada pelos integrantes da força-tarefa da Lava Jato, com aval de Moro e Hardt, só não foi adiante por causa de decisões judiciais que anularam acordos de leniência. Também aponta os interesses pessoais e políticos dos integrantes da Lava Jato. 

Entenda o caso e confira abaixo o que há contra Moro no relatório que embasou a posição do corregedor nacional de Justiça:

  • O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apura as ações de juízes da 13ª Vara Federal de Curitiba na época da Operação Lava Jato. Moro é um dos investigados.
  • Relatório indica falta de transparência, imparcialidade e prudência dos magistrados. Diz ainda que foi encontrada uma “gestão caótica” nos valores de acordos de leniência e de delação premiada. 
  • Documento do CNJ afirma que houve um conluio de magistrados brasileiros em acordos no exterior para que a Petrobras pagasse valores que retornariam para a força-tarefa da Lava-Jato.
  • Isso, segundo o relatório, ocorreria a partir de processo sigiloso, aberto por Moro, que mandava repassar à Petrobras valores oriundos de multas e acordos de leniência de empresas alvos da Lava-Jato.
  • Além de Moro, a corregedoria do CNJ aponta que a juíza Gabriela Hardt, substituta dele, violaram os deveres de transparência e imparcialidade ao autorizar sem critérios objetivos o repasse de R$ 2,5 bilhões.
  • Foi Hardt quem homologou o acordo de leniência da Petrobras em 2019. Ao CNJ, ela admitiu ter conversado antes com o procurador Deltan Dallagnol sobre o tema. Para o CNJ, isso não deveria ocorrer.
  • O acordo envolveria representantes do governo dos EUA e da Petrobras, com participação informal de procuradores brasileiros, sem comunicação ou participação da autoridade central de cooperação, ou mesmo da União.
  • O objetivo era a criação de uma fundação privada (50%) e para acionistas da empresa (50%) que tivessem ajuizado ações de reparação ou arbitragens até 8 de outubro de 2017. 
  • À época, foi divulgado que o Departamento de Justiça dos EUA e a SEC (órgão regulador do mercado de capitais americano) concordaram em abater até 80% da multa aplicada à Petrobras (que totaliza US$ 853,2 milhões ou R$ 3,28 bilhões) se o dinheiro fosse usado para recompor danos à sociedade brasileira.
  • Já as provas colhidas no acordo entre o MPF e a Petrobras subsidiaram o governo dos EUA na construção de um caso criminal contra a companhia brasileira.
  • Dessa forma, segundo o relatório do CNJ, “exigências legais foram flexibilizadas” para que os depoimentos prestados por colaboradores fossem conduzidos “da maneira mais adequada aos interesses das autoridades americanas, apesar de formalmente presididas por procuradores brasileiros”.
  • Entre outros exemplos de exigências ignoradas estão a ausência de produção de termos de depoimento ou de registros do teor da entrevista, em razão do pedido das autoridades norte-americanas.
  • Tudo foi feito apesar de alerta da Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR), que advertiu os procuradores da República em Curitiba, ainda conforme o CNJ.

Confira abaixo a nota completa do senador Sergio Moro:

“O fato objetivo descrito no relatório provisório da Corregedoria do CNJ – ainda pendente de aprovação – é que foram devolvidos diretamente de contas judiciais da 13 Vara de Curitiba para a Petrobras, vítima inequívoca dos crimes apurados na Operação Lava Jato, cerca de R$ 2,2 bilhões, sem que nenhum centavo tenha sido desviado. Idêntico procedimento foi adotado pelo STF à época.

O juiz Sergio Moro deixou a 13ª Vara em outubro de 2018, antes da constituição da fundação cogitada para receber valores do acordo entre a Petrobras e autoridades norte-americanas e jamais participou da discussão ou consulta a respeito dela. A especulação de que estaria envolvido nessa questão, sem entrar no mérito, não tem qualquer amparo em fato ou prova, sendo mera ficção.”