O governo de Minas Gerais deixou de repassar, em 2019, quase R$ 3,9 bilhões ao municípios mineiros por meio do fundo estadual de saúde. É o que apontam os dados presentes no Portal da Transparência, que revelam que as verbas enviadas pelo Estado aos fundos municipais de saúde somaram 54% dos valores empenhados – reservados em Orçamento para essa função. Esse é o menor percentual de execução na área desde 2002, quando o governo começou a divulgar os dados sobre receitas e despesas.

No total, em 2019, o Estado empenhou R$ 8,5 bilhões no fundo estadual de saúde, mas só pagou efetivamente R$ 4,6 bilhões.

A maior dívida do Estado é com o município de Belo Horizonte, ao qual o governo deixou de repassar R$ 330 milhões somente para o Fundo Municipal de Saúde no ano passado. Mas, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, a dívida total do governo com a capital mineira em convênios de saúde tem valor ainda maior: R$ 483 milhões, conforme O TEMPO revelou nessa sexta-feira.

A situação foi pior para pelo menos 15 cidades mineiras que não receberam nada da verba prevista por meio do fundo estadual de saúde em 2019. É o caso de Bonito de Minas, no Norte do Estado, que, caso o empenho fosse 100% honrado, deveria ter recebido pouco mais de R$ 2,1 bilhões a título de contribuições – repasses destinados a despesas de manutenção na área – e R$ 1,1 bilhão em auxílios – ajuda financeira para investimentos e que também compõem o fundo estadual de saúde –, mas não recebeu nada. A única verba repassada pelo Estado ao Fundo Municipal de Saúde da cidade, que tem o terceiro pior Índice de Desenvolvimento Humano de Minas , é referente a dívidas de anos anteriores, e, ainda assim, o valor – apenas R$ 22 mil – representou pouco mais de 1% do total do valor devido.

Em situação ainda mais grave estão as cidades de Ninheira, também no Norte, e Pitangui, na região Central do Estado. Além de elas não terem recebido nenhuma transferência do governo, ao longo de 2019, também não pagou nem 1% do total dos atrasados. O TEMPO procurou os prefeitos das duas cidades para comentar o caso, mas eles não foram encontrados.

Além das 15 cidades que ficaram com o pires vazio nas mãos, outros 124 municípios tiveram repasses que sequer somaram 1% do valor orçado em contribuições à saúde, e mais 340 cidades não atingiram o percentual de 10% do previsto. Assim, 479 municípios – mais da metade dos 853 existentes no Estado, receberam valores abaixo desse percentual.

Já em relação aos auxílios, 601 municípios não tiveram nenhum repasse, e outros 133 receberam menos de 10% do valor esperado.

Liberação ficou maior em dezembro

A Constituição Federal prevê que os Estados empenhem 12% de seu Orçamento em saúde, sob pena de perder verbas destinadas pela União ao Fundo de Participação do Estado (FPE). Isso ocorreu em 2018 e, não fosse uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), o Estado já poderia ter perdido pelo menos R$ 78 milhões em recursos.

Até junho deste ano, o valor aplicado estava novamente abaixo do mínimo: somava 5,03%. Porém, no restante do ano, o governo assegurou ter cumprido o índice, afastando o risco de novas restrições.

“O Estado ainda está concluindo o fechamento das contas referentes ao exercício de 2019. No entanto, conforme dados preliminares, foi apurada uma aplicação em ações e serviços públicos de saúde no exercício de aproximadamente 12,74%”, informou a Secretaria de Estado de Saúde (SES) na quinta-feira.

A informação é reforçada pelo volume de repasses realizados no segundo semestre, especialmente no fim do ano. Entre janeiro e junho, o Estado investiu R$ 1,3 bi em saúde, contra R$ 3,2 nos últimos seis meses de 2019. Só no mês de dezembro, o valor pago somou R$ 1,4 bilhão, sendo mais de R$ 500 milhões apenas na última semana do ano.

Herança maldita

Questionado sobre o fato de ter deixado de executar quase a metade do previsto na área, o governo de Minas informou por meio da Secretaria de Estado de Saúde (SES), que “a atual administração do governo de Minas Gerais herdou uma dívida de R$ 3,84 bilhões”.

Ainda segundo a pasta, no ano passado, o Estado pagou R$ 4,2 bilhões aos municípios, sendo “R$ 1,5 bilhão referentes às despesas com ações e serviços de saúde em restos a pagar (dívida da gestão anterior)”.

Esclareceu também que “quitou os débitos com fornecedores que estavam pendentes até novembro de 2019” e que “os repasses efetuados pela SES são realizados de acordo com o previsto na legislação, que determina que os débitos anteriores sejam priorizados”. “Por isso, grande parte do que foi empenhado no ano de 2019 será pago em exercício posterior”, alegou.

Quanto à diferença entre os montantes pagos à saúde ao longo do ano, a SES apontou que isso “se deu em razão do fluxo de caixa do Estado, que permitiu a entrega de uma quantia maior em dezembro”.

A secretaria não detalhou os motivos pelos quais algumas cidades deixaram de receber recursos do fundo estadual de saúde.