Há exatos 30 anos, em 21 de setembro de 1989, Minas Gerais protagonizava um momento importante da política nacional: foi o primeiro Estado brasileiro a ter uma Constituição própria. A Carta Magna mineira é resultado de um processo iniciado no ano anterior, com a Constituição Federal de 1988. As mudanças ocorridas na sociedade ao longo das três décadas refletiram-se também no texto que, ao longo desse tempo recebeu 99 emendas, sendo um dos mais alterados do país.
Integrante do corpo técnico da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na época da promulgação, a jurista e professora de direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mônica Sette Lopes ressalta que o volume de emendas é natural. “É compreensível, tendo em vista que tanto a Constituição mineira quanto a federal são muito regulamentadoras. Elas regulam a saúde, a educação, têm os princípios do direito do trabalho e trazem matérias sobre organização do Estado com muita minúcia”, diz.
A professora lembra que a Constituição mineira representou um momento de reavaliação democrática, após o regime militar. “Era uma reflexão sobre aqueles tempos novos, depois de décadas de ditadura, quando as pessoas não podiam falar sobre suas necessidades com medo de retaliação. A promulgação foi um momento de grande abertura nesse sentido”, afirma ela, reforçando que houve uma maior aproximação da ALMG com a sociedade civil na época.
Por outro lado, advogado e especialista em direito eleitoral Arthur Guerra faz críticas à quantidade de alterações no texto. “É algo natural, mas vejo como negativo, já que a Constituição é um texto a ser preservado. Cria uma instabilidade no sistema jurídico como um todo”, diz. Na avaliação dele, muitos temas estão constitucionalizados de maneira desnecessária. “O texto tornou-se muito casuístico, cheio de temas que poderiam ser tratados por leis ordinárias”, afirma, citando como exemplo a PEC 39/2019, que autoriza o livre acesso de deputados estaduais a repartições públicas.
Histórico
Em 1989, a relatoria da Constituinte mineira ficou a cargo do então deputado Bonifácio Mourão, que contou com o auxílio dos outros 76 parlamentares da ALMG para a elaboração do texto. “Naquela época, não tínhamos redes sociais, e a Assembleia procurou a sociedade, indo às escolas, promovendo audiências públicas”, lembra Mônica.
O contexto, diz ela, era inovador para a época e trouxe mudanças bem-vindas, como, por exemplo, a obrigação de que parte da verba do orçamento do Estado fosse destinada para a Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapemig).
Especialistas alertam que texto precisa ser mais prestigiado
Mesmo com a sua importância histórica, a Constituição mineira ainda é pouco conhecida, de acordo com Mônica Sette Lopes, professora de direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para ela, o conhecimento das leis é “sempre uma miragem” e, apesar de o acesso às normas ser facilitado devido à tecnologia, as pessoas não costumam ter o interesse em se aprofundar no assunto.
“Hoje, as pessoas têm internet, e, teoricamente, esse acesso é mais fácil. No entanto, não é um exercício que se faça, e os canais de divulgação precisam ser ampliados. Mas não apenas pelas redes sociais, que são superficiais em suas análises. Nenhuma lei é mágica, e é preciso sempre que possamos falar sobre elas”, avalia, pontuando que o problema não atinge apenas o conhecimento sobre a Constituição mineira, mas também sobre a Carta Magna brasileira e legislações municipais.
Para ela, o maior conhecimento ou não vai depender de fatores que passam até pela polarização das redes sociais no atual cenário político brasileiro.
“A Constituição representou uma mudança enorme do ponto de vista da qualidade do país. Ela é importante como uma mensagem sobre direitos e garantias num cenário mais abrangente”, explica.
Além disso, apesar dos avanços, o texto não vem sendo cumprido como deveria. O alerta é do advogado e especialista em direito eleitoral Arthur Guerra. “Culturalmente, o que a gente observa é que as constituições estaduais são pouco observadas. Elas são preteridas, e quando alguém estuda as leis, é comum basear-se na Constituição Federal”, detalhou.
Políticos destacam relevância
Durante o processo de elaboração da Constituição, mais de 10 mil sugestões foram enviadas pela população para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Pioneira, a democratização do acesso a políticas públicas foi destacada pelo presidente da Casa, Agostinho Patrus (PV), em uma solenidade para comemorar as três décadas da Carta. “Esse marco da participação social ainda se faz reverberar no Parlamento mineiro”, disse. No mesmo evento, o ex-deputado Bonifácio Mourão, relator da Constituinte, destacou que o texto trouxe avanços sociais, a exemplo da determinação para aplicar percentuais mínimos em educação e pesquisa e a universalização da assistência à saúde.
Já o governador Romeu Zema (Novo) também reconheceu os avanços trazidos, em especial no que diz respeito ao planejamento e à gestão pública. Para ele, as alterações sofridas nas últimas três décadas foram importantes para que o texto se adequasse. “Devemos acompanhar as necessidades de um novo tempo”, disse.
O senador Antonio Anastasia (PSDB), que esteve na ALMG na segunda-feira, lembrou que o texto era avançado para a época e foi utilizada como modelo por outros Estados.