Para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, a execução do decreto de prisão em segunda instância não se trata de uma questão de interpretação semântica de uma norma constitucional. "Nós estamos falando de optar por um sistema que funciona ou um sistema que não funciona, e, portanto, acho que vai ser muito ruim portar pelo que não funciona", disse o ministro, durante o evento Estadão Discute Corrupção, nesta segunda-feira, na capital paulista.
Barroso afirmou que, em seu ponto de vista, já existe uma decisão definitiva sobre tema. Realizado na sede do jornal "O Estado de S. Paulo" em parceria com o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), o encontro discutiu as operações Lava Jato e Mãos Limpas, da Itália, nos anos 1992/1994. O ministro afirmou que, neste tema, "há um programa institucional em jogo".
Barroso coloca que Supremas Cortes podem eventualmente produzir decisões chamadas "contramajoritárias", que vão contra o sentimento da sociedade. "Ninguém numa democracia exerce poder em nome próprio e, portanto, os tribunais têm o dever de auscultar o sentimento social e filtrá-lo pela constituição", disse.
No entanto, o ministro destacou que, se um tribunal repetidamente frustra o sentimento social, a Corte vive um processo de deslegitimação, podendo levar a uma crise institucional. "Acho que nós precisamos ter isso em conta porque as instituições são os pilares da democracia. Portanto, não podemos destruir as instituições nem as instituições podem se autodestruir", disse.
31 de março
"Não é difícil adivinhar o que eu penso", disse
Barroso sobre a orientação do presidente Jair Bolsonaro para que as Forças Armadas fizessem as "comemorações devidas" em torno do dia 31 de março de 1964, data do golpe militar. O ministro disse que não se manifestaria sobre o assunto.
Como revelou "O Estado de S. Paulo" no último dia 25, o presidente da República determinou ao Ministério da Defesa que fizesse as "comemorações devidas" da data, quando um golpe militar derrubou o então presidente João Goulart e iniciou um período ditatorial que durou 21 anos. A orientação foi repassada a quartéis pelo país. Na quinta-feira, 28, Bolsonaro disse que sugeriu às unidades militares que rememorassem o 31 de março.
Contra o ato, ações populares e uma ação civil pública de defensores públicos federais chegaram a ser movidas. A Justiça Federal de Brasília concedeu liminar para que os eventos não fossem realizados. No entanto, a decisão foi derrubada ainda no sábado, 30, pela desembargadora Maria do Carmo Cardoso, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que acolheu recurso da Advocacia Geral da União (AGU).
Na sexta-feira, dia 29, o Instituto Herzog e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enviaram à Organização das Nações Unidas (ONU) uma denúncia contra Bolsonaro. O documento afirma que o presidente e outros membros do governo tentam "modificar a narrativa histórica do golpe que instaurou uma ditadura militar".
A determinação de Bolsonaro gerou uma reação de órgãos e entidades brasileiras, como o Ministério Público Federal. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do MPF, afirmou que utilizar a estrutura pública para "defender e celebrar crimes constitucionais e internacionais" pode caracterizar ato de improbidade administrativa, porque "atenta contra os mais básicos princípios da administração pública".
A ordem do dia de sexta-feira, assinada pela cúpula das Forças Armadas e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, seguiu a determinação do presidente Jair Bolsonaro de "relembrar" o 55º aniversário do movimento cívico-militar. O documento - lido na íntegra por uma civil -caracteriza a data como um "episódio simbólico". Em um dos trechos, afirma que "as Forças Armadas participam da história da nossa gente, sempre alinhadas com as suas legítimas aspirações. O 31 de março de 1964 foi um episódio simbólico dessa identificação".