Eleição 2020

Sem previsão legal, crescem as candidaturas coletivas por vagas na Câmara de BH

Vários grupos já se mobilizam para lançar candidaturas coletivas na corrida eleitoral deste ano na capital mineira

Por Thaís Mota
Publicado em 27 de agosto de 2020 | 03:00
 
 
Câmara dos Vereadores de BH Foto: Abraão Bruck/CMBH

Uma das primeiras cidades a registrar candidatura coletiva no país, ainda durante as eleições de 2016, Belo Horizonte deve ver a modalidade se multiplicar neste ano. Já são várias as pré-candidaturas que se organizam de maneira coletiva na corrida por vagas no Legislativo da capital.

Pioneiro nessa “nova modalidade”, o coletivo Muitas, do PSOL, novamente terá 12 pré-candidatas a vereadora em BH. Na última eleição, a construção elegeu duas vereadoras: Áurea Carolina e Cida Falabella. Áurea acabou deixando o assento na Câmara porque se elegeu a deputada em 2018 e agora disputa a prefeitura de BH. A vaga foi ocupada pela vereadora e pré-candidata à reeleição Bella Gonçalves. 

A partir da eleição, Áurea e Cida iniciaram o primeiro mandato coletivo, que ganhou o nome de Gabinetona. Bella Gonçalves, a terceira mais bem votada, passou a integrar o projeto por meio do que o partido chama de “covereança” ainda em 2017. Já a partir de 2018, a composição passou a contar com o nome da deputada estadual eleita pelo PSOL para a Assembleia, Andreia de Jesus.

“Quando propomos um ‘mandato coletivo’, estamos falando de colocar em prática instrumentos que possibilitem às pessoas exercer sua cidadania diariamente, e não apenas de dois em dois anos, no momento das eleições”, explicou a pré-candidata à PBH, Áurea Carolina. 

Essa experiência do PSOL acabou incentivando outras candidaturas. É o caso do PCdoB, que, por meio da Bancada Antifacista, também terá candidatura coletiva à Câmara. Porém, diferentemente da construção do Muitas, o coletivo comunista é formado por cinco pré-candidatos, mas somente um deles terá o nome na urna – a presidente da União da Juventude Socialista (UJS), Luana Ramalho.

“Temos problemas da lei eleitoral de não reconhecer ainda essas construções coletivas de candidaturas porque a política ainda é muito baseada em um perfil, então, as pessoas votam em outras pessoas, e não em um projeto”, explicou Luana. Além dela, compõem a candidatura coletiva da Bancada Antifacista Carol Custódio, Késsia Cristina, Clauderson Black e Gabriel Luna.

Outro partido que adotará a modalidade nas eleições deste ano é o PT. No entanto, segundo o presidente da legenda em BH, Guilherme Gardim, a sigla terá mais de uma candidatura coletiva na capital.

“O PT é um partido com muitos grupos e correntes, então as candidaturas já são coletivas e organizadas por esses grupos. Mas, especificamente sobre essa nova forma de candidatura, temos companheiros organizando campanhas nesse sentido, com mobilização e articulação coletiva de ideias e propostas”, disse.

Uma delas é a Coletiva BH, que deve lançar o nome da servidora pública Sônia Lansky. O grupo se apresenta nas redes sociais com uma proposta de “vereança e co-vereança coletiva” em torno da defesa do SUS, da democracia e da justiça social. Outra é organizada pelo coletivo Afeto e Poder, formado por sete mulheres e que vai lançar o nome da servidora pública Valéria Gomes. 

O partido também participará de uma construção coletiva multipartidária, como se fosse uma coligação (modalidade extinta pela legislação eleitoral para as eleições proporcionais a partir de 2020), porém intermunicipal. É um coletivo formado por candidatos de partidos distintos e de várias cidades da região metropolitana da capital que terá uma mesma bandeira de campanha em cada uma das cidades.

O coletivo Salve Jorge tem Jorge Gabriel (PT) como pré-candidato a vereador em BH, mas tem também Tiago Henrique (PSOL), em Ribeirão das Neves; Misley Pereira (PT) e Tony Jossone (PT), em Santa Luzia; Ingryd Rodrigues (PSOL), em Pedro Leopoldo; Stéphane Luise (PT), em Nova Lima, e Andrea Mende (PCdoB), que será candidato fora de Minas, em Campinas (SP).

“Nós lançamos pré-candidaturas em várias cidades, em uma espécie de candidaturas-irmãs. Então, estamos compartilhando de uma estrutura comum, uma mesma agenda e estamos em construção de diretrizes comuns também”, explicou Jorge Gabriel.

Outro diferencial da construção, segundo ele, é a busca por soluções conjuntas para problemas que não são só de uma cidade. “Percebemos que os problemas não ficam só na nossa cidade, como é o caso dos recursos hídricos. Então, é um debate que se ficar somente em Belo Horizonte, nunca será resolvido. E, por isso viemos dialogando justamente para preencher essas pontes deixadas pela política territorial”. 

Outras frentes

Nem só partidos considerados de esquerda vão aderir à modalidade. Segundo o vice-prefeito da capital, Paulo Lamac (Rede), seu partido terá candidaturas coletivas. “A mais ilustrativa é a do Morro do Papagaio porque é um aglomerado importante, composto por várias vilas, e que reuniu lideranças que construíram uma proposta de mandato coletivo”, explicou. O nome que será levado à urna é o de Júlio César Evaristo de Souza, o Júlio Fessô, presidente da Associação de Moradores do Morro do Papagaio.

“Sempre vêm pessoas de foram e levam os votos todos da comunidade. Então, a ideia era ter um candidato da comunidade e com todas as lideranças apoiando porque, se o objetivo é de fazer a comunidade crescer, é importante que seja com a construção de um coletivo porque aí não ‘racha’ a favela”, explicou.

Ainda segundo Júlio, fazem parte de sua pré-candidatura homens, mulheres, representantes da população LGBTQI e o grupo carrega como principal bandeira a luta por direitos de todos.

Novo fenômeno da política

Apesar do crescimento das candidaturas e dos mandatos coletivos, não há previsão legal para a modalidade no Brasil. Segundo o advogado especialista em direito eleitoral e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Rodolfo Viana, esse movimento é um fenômeno novo e que desafia inovações jurídicas no campo eleitoral.

“Em uma visão mais tradicional, a candidatura coletiva não é um fenômeno jurídico, mas um fenômeno político interessante, porque se apresenta para o eleitor como uma candidatura plural e tem no Parlamento, pelo menos em sua gestão interna do gabinete, uma gestão coletiva também. Agora, juridicamente, ela vai ter que ter sempre um nome de uma pessoa que formalmente será o candidato perante a Justiça Eleitoral e que vai ser a pessoa que terá o exercício dos direitos como parlamentar”, explicou.

Apesar disso, Viana explica que na propaganda eleitoral, por exemplo, o candidato pode apresentar quem mais compõe a candidatura e a proposta de gestão coletiva. 
O Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG) informou que não há previsão legal para candidaturas coletivas e que nunca houve nenhum pedido formal à Corte para um registro do tipo.

“Para a Justiça Eleitoral, portanto, o pedido de registro deve ser requerido em um único nome e CPF e apresentar uma única foto que constará na urna eletrônica”, diz o órgão.