Suspeita

Vereador propõe CPI para apurar pagamento de R$ 1,7 bi à Andrade Gutierrez

Mateus Simões (Novo) diz que há indícios de fraude na quitação de restos a pagar pela Prefeitura de Belo Horizonte

Por Pedro Augusto Figueiredo
Publicado em 13 de novembro de 2019 | 03:00
 
 

O vereador Mateus Simões (Novo) quer abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal para investigar o pagamento pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) de R$ 1,7 bilhão para a construtora Andrade Gutierrez (AG) relativo a restos a pagar de obras realizadas pela empresa na década de 80. 

De acordo com o político, há uma série de indícios que apontam para fraude, em um modus operandi que julga parecido com o utilizado pela construtora para cobrar de Betim uma dívida, que foi feita com base em documentos falsos, segundo laudo recente apresentado pela prefeitura.

“A situação de Belo Horizonte é pior do que a de Betim, que está resistindo ao pagamento de sua dívida. Porém, Belo Horizonte já pagou. Estamos discutindo na Câmara Municipal, inclusive, a possibilidade de uma CPI”, afirmou Simões. Procurada, a Andrade Gutierrez disse que não comentaria o caso.

Em novembro de 1988, o então prefeito Sérgio Ferrara enviou à Câmara projeto de lei em que pedia autorização para pegar um empréstimo de Cz$ 17 bilhões para quitar dívida de obras realizadas e também para confessar um débito no mesmo valor. O texto se tornou a Lei 5.371/1988.

Questionado se com a autorização do empréstimo a dívida não teria sido paga, Simões disse que está faltando uma peça no quebra-cabeça. “Não temos certeza se Sérgio Ferrara pegou o empréstimo, mas ele usou o projeto para fazer uma confissão de dívida, existiu uma confissão de dívida, porque foi o modus operandi que a Andrade usou em Betim, Cuiabá e Campo Grande (onde houve judicialização envolvendo casos parecidos)”, disse.

Dez anos depois, em novembro de 1998, o então prefeito Célio de Castro enviou um novo projeto de lei, com o número 928/1998, em que pedia autorização para a renegociação de dívidas com a Andrade Gutierrez contraídas na construção do túnel da Lagoinha, na canalização do ribeirão Arrudas e na remoção de aguapés da lagoa da Pampulha. Como justificativa para a existência dos débitos, ele cita as confissões de dívida autorizadas pela Lei 5.371/1988, aquela que fora enviada por Ferrara.

Na época do projeto, já havia uma cobrança judicial da dívida feita pela construtora, que tramitava, naquele momento, no Superior Tribunal de Justiça. O acordo era que o município pagasse a dívida de R$ 143 milhões em parcelas anuais durante 14 anos, com juros de 9% ao ano e correção pelo IGP-M. O texto foi aprovado por 23 a 6 em votação secreta e a ação na Justiça foi retirada.

"O projeto de lei tenta vender a ideia de vantagem em fazer o acordo. Só que ele vende essa vantagem sem mostrar a conta. Diz que o débito estaria em R$ 622 milhões e pede para fazer o acordo em R$ 143 milhões. De onde eles tiraram esse valor? Não tem lastro nenhum”, argumenta o vereador.

Correção

Ele questiona os índices de correção e os juros, que, ao final, fizeram com que a prefeitura pagasse R$ 1,7 bilhão. “O juro é absurdo. Além disso, o IGP-M é o índice mais agressivo de inflação que nós temos”, diz.

De acordo com Simões, os vereadores à época tentaram inserir um artigo na lei para obrigar o prefeito Célio de Castro a apresentar uma cópia do processo judicial, mesmo depois que a lei fosse aprovada. “Depois o veto é até derrubado, mas, nos registros da Câmara, não tem nem a cópia desse processo judicial. Ele nunca apareceu”, afirma.

O vereador pediu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para que localize e forneça uma cópia do processo: “Até para a gente checar quantas irregularidades iguais às de Betim aconteceram nesse processo de Belo Horizonte”. Ele também está conversando com o Executivo da capital para que o prefeito e o procurador geral tomem medidas cabíveis.

Anos 80 e 90

O vereador Mateus Simões (Novo) levanta uma série de questões acerca da tramitação dos dois projetos de lei na Câmara. A primeira delas é que o projeto foi votado em janeiro de 1999, no recesso parlamentar. “Há um conjunto de maluquices na forma como isso foi conduzido. Uma loucura, uma loucura”, diz.

Outro ponto que chama a atenção do vereador é que o projeto de lei assinado pelo então prefeito Célio de Castro, à época no PSB, foi enviado três dias após as eleições presidenciais de 1998. A data e o fato de a esquerda, cujo candidato era Luiz Inácio Lula da Silva, ter sido derrotada no pleito levantaram suspeitas de que o projeto era uma forma de compensar a Andrade Gutierrez por dívidas de campanha.

“Isso dá a essa operação uma cara de pagamento de dívida de campanha horrorosa, a gente conhecendo depois historicamente qual é o modus operandi da Andrade Gutierrez. Ou seja, perde a eleição, e três dias depois eu assino uma confissão de dívida de R$ 143 milhões com a empresa. O dinheiro que ela me emprestou durante a campanha e que não vou poder pagar com obras, eu estou pagando com confissão de dívida”, diz Simões.

O vereador aponta problemas também no primeiro projeto de lei, datado de 1988. O pedido de empréstimo é para quitar restos a pagar de obras, entre elas a da remoção de aguapés da lagoa da Pampulha. Porém, segundo ele, a obra foi contratada no mesmo ano da confissão de dívida, em 1988, o que não permitiria a existência de restos a pagar.

“Você fazer uma confissão de dívida ou empréstimo para quitar restos de uma obra no mesmo ano em que ela foi contratada é um contrassenso. Se ela está contratada naquele ano, ela está no Orçamento. Se ela está no Orçamento, não podem existir restos a pagar”, disse o vereador.