Quando Marcelo Gallardo voltava ao River em 2009 praticamente no término de sua carreira como atleta - ele ainda jogaria no Nacional até aposentar-se em 2011 -, Ariel Cabral já estava no seu segundo ano no profissional do Vélez Sarsfield. Em entrevista ao Super FC, o argentino do Cruzeiro destacou sua admiração ao hoje comandante dos Millos, a quem ele se recorda de um encontro ainda nos gramados.
A lembrança de um Gallardo técnico e líder ainda nos tempos de atleta logo vem à mente do meia cruzeirense. De argentino para argentino, há também a esperança de um dia, quem sabe, Gallardo possa seguir um caminho natural de comando na seleção alviceleste. Não há dúvidas sobre a capacidade do profissional para tal.
"Como jogador, eu lembro muito bem que ele (Gallardo) era um meia com um chute muito bom, com a bola nos pés era tecnicamente muito bom. Agora como treinador ele está no Top. Acho que o trabalho que ele está fazendo com o River Plate é ótimo. Tranquilamente pode ser o treinador da seleção argentina no futuro. É um profissional que tem o respeito de todo mundo, os jogadores falam muito bem dele não só como profissional, mas também como pessoa. Isso que faz o trabalho e o respeito para os demais bem melhor. Por isso o vejo em condições de assumir a Argentina", analisa Cabral.
Não à toa, o River é o que é hoje. Sob o comando de Gallardo, em cinco anos, o time conquistou sete troféus internacionais, dentre eles uma Copa Sul-Americana e duas Copas Libertadores. As saídas e mudanças relativas ao elenco que triunfou diante do Boca na última decisão da Libertadores, disputada no ano passado, em Madri, não diminuíram o potencial letal da equipe.
"O River Plate é um time grande, que tem história, hoje em dia é um dos melhores times da Libertadores, o atual campeão, e também uma das grandes equipes do mundo. O Gallardo é muito esperto, experiente, vem ganhando muitas coisas, conquistando títulos importantes. É uma equipe que possui grandes jogadores, certo que passou por um processo de saída de vários atletas, mas mesmo assim o futebol deles continua evoluindo. Lá na Argentina, os times têm um respeito enorme pelo River Plate e o trabalho do Marcelo Gallardo", salienta Cabral, revelando sua admiração em particular a Nacho Fernández, voltante de grande técnica e um dos pilares do atual meio de campo dos Millonários.
"Sabemos que é um time muito bom tecnicamente. Tem jogadores que se movimentam bem, tem o Nacho Fernández, que é para mim um dos melhores meias do futebol argentino. Eles têm muitos jogadores no meio-campo que sabem controlar a posse de bola, como o experiente Enzo Pérez, e cabe a nós saber disso, dessa dinâmica de jogo. Temos que ficar atentos, ter cuidado com essas coisas, e neutralizar as jogadas dele nesse setor", completa o jogador cruzeirense, prevendo uma batalha no meio-campo no jogo de amanhã.
EM DEFESA DE MANO
Se Gallardo é um dos técnicos mais longevos do futebol sul-americano, Mano Menezes vem logo atrás. Uma marca que Cabral avalia como possível pela inteligência do técnico celeste. O jogador comentou sobre as críticas relativas ao jogo do clube celeste, por muitas vezes defensivo. Mas na visão do argentino, a análise dos jogos do Cruzeiro apontam para um time híbrido.
"O Mano é um treinador experiente, trabalhador, taticamente é um dos melhores e ele tem uma base de jogadores que ele confia muito. Nestes três anos, mudaram muitos jogadores, e a gente continua ao lado dele ganhando títulos, brigando por tudo, e isso sustenta a continuidade do trabalho dele. Todos nós acreditamos no trabalho que ele faz", ressalta.
"O futebol é assim, quando você ganha, você é o melhor, e quando você perde, as coisas estão erradas. Cada time tem uma forma de jogar. Acho que às vezes a gente ataca também demais, outras vezes defende. O Mano no mata-mata, ele é muito esperto, por isso que a gente briga por tudo até chegar a final, e creio que temos um jeito de jogar. Não é só ficar esperando, na defensiva, às vezes ficamos com posse de bola, às vezes vamos ao ataque demais, mas o futebol é assim, vai mudando de acordo com os seus resultados, isso muda muito", explica Cabral, um dos jogadores que sempre está no radar de Mano, seja para atuar como titular ou entrando no decorrer das partidas. Contra o River amanhã, ele possivelmente deve ser uma das opções, principalmente em uma possível entrada de Robinho apenas na segunda etapa.
LIDANDO COM AS CRÍTICAS
Oitavo argentino a atuar na história do Cruzeiro, Ariel Cabral é um jogador discreto. Mas que se vê eficiente na proposta de jogo que busca desenvolver. O atleta lamenta que muitas vezes seu trabalho passe imperceptível aos olhos de algumas pessoas. Existe muita coisa além dos gols e do que a televisão mostra no futebol.
"Eu aprendi muito aqui acerca de posicionamento. Eu já tinha antes esse trabalho, mas aqui melhorou e eu gosto de ficar com a bola. Às vezes tem jogo que dá para fazer isso, mas tem jogo que não dá muito. O treinador fala sempre que o volante tem que estar bem posicionado, não só a gente, mas todo mundo taticamente tem que estar bem. E, às vezes, o trabalho que a gente fez não dá para ver na televisão. Mas sempre tenho trabalho a fazer, quando não se faz gol, parece que o jogador foi mal. E não é assim. Todo mundo tem sua função e precisa fazê-la para estar no time", pontua.
APRENDENDO COM OS ERROS
Na última temporada, o Cruzeiro teve pela frente o Boca Juniors nas quartas de final da Libertadores e acabou eliminado em uma disputa de tons polêmicos e que exacerbou algumas diferenças, principalmente de perfil de jogo entre brasileiros e argentinos. O histórico do Cruzeiro contra os hermanos vem sendo de extremos desapontamentos, com eliminações que também se seguiram para San Lorenzo e o próprio River, além da derrota para o Estudiantes, na final de 2009. Mas Cabral vê um Cruzeiro mais amadurecido dessa vez para quebrar com essa sequência.
"A gente tem experiência. Evoluímos. Olhamos os jogos do ano passado, os confrontos que jogamos, e claro, a gente pega as coisas ruins e os pontos positivos. Com tudo isso você tem que focar no campo. Sabemos que é difícil jogar uma Libertadores, mais ainda quando se pega um time argentino, que sempre costuma jogar bem em mata-matas. Mas também sabemos o que precisa ser feito. Trabalhamos o ano todo para isso, para esse momento de decisão, e vamos decidir essa vaga aqui em casa, diante da nossa torcida, sabemos que temos que buscar o gol e fazer o nosso jogo prevalecer dentro de casa", diz o argentino.
O VAR DEIXOU O JOGO MAIS IGUAL
E realmente existe uma grande diferença entre os argentinos e brasileiros na hora do mata-mata? A frieza dos hermanos prevalece ante à pura emoção dos brasileiros? Ariel acha que o VAR quebrou esse conceito.
"Acho que a Libertadores, o juiz deixa correr um pouco mais, deixa passar algumas jogadas que são duras e no futebol brasileiro não acontece. Já na Argentina, lances assim são mais comuns, uma pancada, alguma outra chegada mais forte, que o juiz manda seguir o jogo. Mas creio que hoje em dia com o VAR qualquer coisa está no olho do juiz. Às vezes falavam muito que para ganhar uma Libertadores você tinha que ser o malandro, o esperto, mas você tem que ter hoje muito cuidado. Qualquer lance pode ser marcado um pênalti, qualquer falta você toma cartão. Isso deu uma equilibrada no futebol. O brasileiro também é esperto nessas coisas e sempre sai um confronto muito bom quando se tem um Brasil x Argentina em um torneio de clubes, é um clássico, é um jogo muito pegado", apontou o volante do Cruzeiro.
O FUTEBOL BRASILEIRO DE POUCA TRANSIÇÃO
No Cruzeiro desde 2015, Ariel não esconde que aprendeu muito no Brasil. E com a visão privilegiada que ele tem de dentro de campo, o argentino considera que, às vezes, falta capacidade de transição aos times brasileiros. Um jogo de ligação direta que também sacrifica o trabalho dos meias.
"O futebol mudou muito. Todo mundo quer jogar, quer manter a posse de bola, todo mundo sai jogando com o goleiro em baixo, todo mundo tenta. Depois cada país tem a sua cultura, o brasileiro tem muita qualidade, quer atacar, atacar, e às vezes o jogo fica de ida e volta, não tem muita transição. Acho que às vezes acontece muito isso. No geral, creio que o futebol hoje em dia é uma mistura e como os times jogam está muito mais ligado aos resultados que eles vão obtendo", encerrou o jogador do Cruzeiro.