Polêmica

Imposição e falta de diálogo ameaçam volta do Mineiro, que pode parar na Justiça

Maioria dos clubes do interior está extremamente insatisfeita com a postura da FMF e não deseja retorno da forma proposta pela entidade, que rebate

Por Gabriel Pazini
Publicado em 18 de junho de 2020 | 20:27
 
 
Douglas Magno / O Tempo

A Federação Mineira de Futebol (FMF) prevê o retorno do Campeonato Mineiro para a disputa das duas rodadas restantes da fase classificatória, do mata-mata e também do Troféu Inconfidência, em 26 de julho. Os jogos ocorreriam em uma única cidade, com as equipes isoladas, confinadas e passando por testagem constante do novo coronavírus. O torneio seria finalizado em três semanas, tendo partidas de três em três dias. Segundo apurou o Super.FC, o município preferido pela FMF é Belo Horizonte. No entanto, caso não ocorra a liberação da capital, a reta final da competição deverá acontecer em Nova Lima ou Sete Lagoas. Todas essas possibilidades foram levantadas após reunião nesta quarta-feira (17) entre membros da entidade, a Secretaria Estadual de Saúde e representantes dos departamentos médicos de América, Atlético e Cruzeiro, e vistas com bons olhos pela secretaria. Todo esse plano, porém, está ameaçado, assim como a volta e a conclusão do Estadual.

Isso porque, segundo apurou o Super.FC com dirigentes dos clubes do interior, a maioria das equipes do interior do Módulo I do Campeonato Mineiro está extremamente irritada com a conduta da FMF, alegando falta de diálogo e imposições da entidade. Elas afirmam que, no cenário atual, é impossível voltar a disputar a competição, não possuem condições de jogar o restante do Estadual e são contra o retorno. Algumas, inclusive, ameaçaram entrar na Justiça.

Os dirigentes dos clubes do interior que disputam o Campeonato Mineiro possuem um grupo no WhatsApp e farão uma reunião nos próximos dias para discutir toda a situação. Após a reunião, vão fazer um documento e enviar para a FMF. Ao que tudo indica, a "carta" vai mostrar o descontentamento das equipes com a conduta da entidade, apontar que não possuem condições de disputar o restante do Estadual da forma que está sendo apresentada e são contra o retorno do torneio. No mesmo grupo, em abril, todos declararam ser contra a volta da competição e queriam o encerramento da disputa.

Ao Super.FC, todos os dirigentes ouvidos reclamaram que "o futebol mineiro é dividido entre capital e interior" e, apesar de ser nove clubes contra três de BH, sempre prevalece a vontade de América, Atlético e Cruzeiro que, segundo eles, "sempre possuem um peso maior para a FMF tomar suas decisões e votos com pesos maiores". O fato de a já citada reunião desta quarta ter contado apenas com médicos do trio de Belo Horizonte e os médicos dos clubes do interior não terem sido ouvidos também foi criticada. A maioria dos profissionais dos clubes restantes do Mineiro discorda dos médicos de Coelho, Galo e Raposa e acredita que o torneio não deveria voltar em julho, mesmo nos moldes propostos pela FMF.

As principais reclamações, porém, são com a conduta da entidade máxima do futebol mineiro. Dirigentes relataram ao Super.FC que a FMF os procurou apenas duas vezes após paralisar o Estadual: uma em 17 de março, comunicando que as rodadas finais seriam em 8 e 14 de abril, e outra apenas anteontem, um dia antes da reunião de quarta-feira. Eles afirmam que nenhum documento nem ofício foi enviado e estão sabendo das situações via imprensa, com a FMF não se reunindo nem procurando os clubes do interior participantes do Mineiro. A falta de diálogo soa para os dirigentes como uma "imposição".

Boa parte dos clubes, aliás, sequer voltou a treinar. A maioria deles alega não possuir condições de fazer testes e aponta as dificuldades financeiras. Dos nove times do interior, apenas Tombense e Boa Esporte retomaram as atividades depois da paralisação causada pela pandemia do novo coronavírus. Villa Nova e URT têm previsão para voltar, mas Uberlândia, Patrocinense, Caldense, Coimbra e Tupynambás não sabem nem se poderão realizar treinamentos. O maior empecilho é que todos precisaram ou precisarão recontratar seus jogadores ou formar novos elencos. O contrato da grande maioria dos atletas, afinal, se encerrou em 26 de abril, data em que a competição terminaria, e a maioria das agremiações está sem plantel. Não à toa, Patrocinense, URT e Uberlândia sinalizaram que irão disputar o restante do Mineiro com um time sub-20 caso sejam forçados a jogar.

"A FMF precisa ver a situação dos clubes. Precisamos arcar com os salários dos jogadores que serão contratados ou recontratados, que vamos trazer de volta. Quem vai pagar os testes para os atletas voltarem a jogar? O clube ou a FMF? E quem será responsável caso um desses atletas seja contaminado? Pela CLT, o clube é o responsável. A FMF não pode sair tomando decisões sem antes ouvir todos os clubes. O planejamento foi feito para acabar a temporada em 26 de abril e isso já faz três meses", desabafou Cláudio Dias, vice-presidente de futebol do Tupynambás.

"Teremos custos de viagem, segurança dos atletas e a condição financeira para pagar os atletas. Os contratos foram pagos. Teremos que recontratar os jogadores. Todos receberam no fim de seus contratos, que já se encerraram. O planejamento financeiro de todos foi quitado. Todos precisaremos de mais recursos para qualquer coisa além disso. A FMF vai bancar isso? Por exemplo: um dia para ir de ônibus até Poços de Caldas e ficar em um hotel e bancar tudo fica R$ 24 mil. Imagina ficar em BH durante três semanas?", completou.

"Estamos vivendo uma pandemia. O contrato com a Globo? Estamos em situação de calamidade pública, todo mundo está sendo afetado de alguma forma, é preciso buscar uma solução racional para todo mundo, e isso não está acontecendo. É um absurdo levar 240 pessoas para um local, por mais que exista um protocolo médico e as pessoas saiam apenas para almoçar e treinar. Quem vai bancar os testes? A FMF? Porque todo mundo precisará ser testado sempre que sair. O dinheiro do planejamento financeiro de todos os clubes do interior já foi utilizado. Como vamos arcar com todos esses gastos?", declarou um dirigente de outra equipe que pediu para não ser identificado.

"Quem vai pagar? Antes de tomar alguma atitude e se pronunciar, o presidente da FMF precisa ver as condições e conversar com os clubes do interior, ver se existe a possibilidade da FMF bancar. Dar opção e condição. Do jeito que está acontecendo, é uma imposição. Desse jeito, hoje, não tem como voltar. Se a FMF bancar tudo, é uma outra história. Não bancando, do jeito que estamos e na situação financeira atual, é impossível, não tem como voltar. Somos times pequenos e sem recursos, nossa verba já acabou", apontou o mesmo dirigente.

Dos dirigentes ouvidos pela reportagem, quatro ameaçaram entrar na Justiça, e um deles declarou que "se ficar desse jeito, vai ficar em cima e vários clubes vão entrar na Justiça. Ninguém vai poder obrigar clubes que desistiram de jogar a voltar a disputar um campeonato na situação em que estamos. A FMF, desse jeito, vai criar um tumulto para ela mesma e várias ações na Justiça. Não tem como disputar futebol nesse período e nessas condições".

Outro reclamou que "se fosse hoje, meu clube procuraria seus direitos na Justiça". "Eu não posso nem treinar no meu campo, como vou jogar? E como vou levar meus atletas? Se eu levar meus atletas, a FMF vai precisar assinar um documento se responsabilizando caso ocorra o contágio de qualquer atleta. Se ela fizer esse documento e arcar com todas as despesas, tudo bem, nós vamos lá jogar. E isso se tiver atleta querendo ir, porque às vezes o atleta não quer jogar. Ainda mais nessa situação de risco de contágio e para jogar dois jogos que não farão diferença. Qual jogador vai querer ir jogar dois jogos em time que está no meio da tabela ou brigando pra não cair nessa situação de pandemia? Não vai ter nem vitrine. Só vão querer jogar em time que está classificado ou nos grandes. Nenhum atleta de ponta vai topar, só quem estiver passando muita dificuldade", explicou.

Outra situação problemática apontada pelos dirigentes é que, como algumas equipes jogarão com times sub-20 caso sejam obrigadas a disputar o restante do Campeonato Mineiro, isso iria prejudicar alguns times e beneficiar outros. Dois casos foram lembrados: o Cruzeiro, que não está entre os quatro primeiros colocados e briga por vaga no mata-mata, vai enfrentar o sub-20 do Patrocinense e a Caldense, que está no G-4, e seria prejudicada porque, além de a Raposa enfrentar uma equipe de base, já está treinando, enquanto a agremiação de Poços de Caldas ainda não voltou a treinar e nem sabe quando voltará e qual time vai ter para jogar. Outro exemplo está na parte inferior da tabela, em que Villa Nova e Boa, que lutam contra o rebaixamento, assim como o Tupynambás, vão jogar contra os times sub-20 de Uberlândia e Patrocinense, prejudicando a equipe de Juiz de Fora.

Posicionamento da FMF

Em contato com o Super.FC, a FMF, por meio de seu diretor de competições, Leonardo Barbosa, negou que há uma maioria descontente com as decisões para o retorno do Mineiro. Segundo ele, é difícil agradar 100% dos dirigentes e que a Federação está em constante contato com os clubes, mesmo que não tenha havido uma reunião.

"A gente entrou em contato com todos e todos concordaram. Pode ter um ou outro insatisfeitos. Mas a maioria, não. A maioria de doze clubes são sete. E não tem sete clubes insatisfeitos. Sabemos que tem alguns clubes, sim, insatisfeitos, como o Tupynambás, por exemplo. A Federação nunca fez e nunca fará nada a revelia dos clubes. Sei que existem brigas distintas na tabela, interesses distintos na competição, por isso, sei que não agradou a todos, mas não acredito que seja a maioria", declarou.

A reportagem ainda procurou o presidente da entidade, Adriano Aro, mas ele não atendeu nem retornou as ligações.