No caminho de uma hora entre a capital Cuiabá e a chapada dos Guimarães, uma nuvem de fumaça bloqueia a visão da vegetação e das formações rochosas. “No ano passado, queimaram menos por conta das chuvas que começaram em setembro”, comenta o guia Vitorino Justino da Silva, do receptivo Confiança Turismo. Chego acompanhado do fotógrafo Edy Fernandes a uma das quatro chapadas brasileiras no período da seca. “A sorte é que o Cerrado é muito resistente ao fogo e se recupera bem rápido”, acrescenta.
Silva é um apaixonado por geografia e, em especial, por Mato Grosso – conhece de cor o nome das árvores e identifica facilmente o som dos pássaros. Na chapada, são 393 espécies cadastradas, ótimo para a prática do “birdwatching” (observação de pássaros).
Estamos na borda do Planalto Central, no “coração da América do Sul”, uma região de paredões de pedra avermelhados pelo óxido de ferro no arenito, grutas, cânions, nascentes que formam cachoeiras, vales com rochas esculpidas pela ação dos ventos e sítios arqueológicos com pinturas rupestres, tudo isso assentado sobre uma das placas geológicas mais antigas do planeta.
Silva para em um ponto da estrada para avistar um chapadão, a serra do Divisor, que o guia garante ser divisora das bacias Amazônica e Platina. Aproveita para abrir um atlas e explicar a geografia da região, conhecida como o centro geodésico do continente sul-americano, ou seja, ponto equidistante entre o oceanos Atlântico e Pacífico, embora Cuiabá reivindique para si o título. Depois da MT–251, pegamos a MT–351 em direção ao Malai Manso Iate Convention & Spa, primeiro e único resort próximo à chapada com sistema all inclusive.
Dinossauro
Silva aponta o dedo orgulhoso para o morro do Cambambe, local onde foi encontrado, na década de 40, um dos maiores fósseis de dinossauros do Brasil, o abelissauro, parente próximo do t-rex. O fóssil – que estava em exposição no Museu Nacional do Rio de Janeiro – foi uma das raridades destruídas pelo incêndio em setembro do ano passado.
Mas, além desse, são muitos os tesouros naturais nos três biomas: Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia. Explorar a Chapada dos Guimarães agora, na época das chuvas, até abril, pode ser um bom momento para contemplar a plenitude de seus rios e a paisagem verdejante.
Números
Os números por si só impressionam o turista de primeira viagem – 46 sítios arqueológicos, dois sítios paleontológicos, 59 nascentes, mais de 400 cachoeiras catalogadas (apenas 30 abertas à visitação), uma área de proteção ambiental, duas reservas estaduais, dois parques municipais e 157 km de paredões.
Antes de embarcar nessa viagem, no entanto, é obrigatório agendamento prévio com guias e condutores autorizados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para visitar atrativos dentro do parque, entre os principais o Circuito das Cachoeiras, a Casa de Pedra, a Cidade de Pedra e o Morro de São Jerônimo.
Quedas dentro do parque exigem guia e agendamento
O nome não faz jus à imponência. Véu de Noiva é a denominação de, pelo menos, uma dezena de cachoeiras no país – uma delas está pertinho da capital mineira, no Parque Nacional da Serra do Cipó. Melhor seria o de batismo: Barreira do Inferno.
O cartão-postal da chapada dos Guimarães tem 86 m de queda e desce de um paredão de arenito, onde araras simulam voos rasantes. Mesmo na época da seca, quando o volume de água é menor, ainda tem sua beleza. É a única com infraestrutura de visitação: grades de proteção, quiosque com lojinha e restaurante.
Depois de deixar o carro no estacionamento, caminha-se por uma trilha de 550 m. Numa região que ostenta nada menos que 450 cachoeiras, não surpreende tanto. Está fechada para banho em seu poço desde 2008, quando uma jovem foi atingida por um bloco de arenito.
A portaria da Véu da Noiva dá acesso a outras duas quedas-d’água através de uma trilha de 1.200 m – leve água, protetor solar, boné e lanche. A cachoeira dos Namorados, com 7 m de altura, menorzinha, se revela intimista, cercada por densa vegetação e um delicioso poço raso. Cem metros à frente, a Cachoeirinha, com 15 m, oferece prainha e piscinas rasas de água gelada.
Se você quiser se aventurar por outras cachoeiras dentro do parque precisará de guia e agendamento prévio. O Circuito das Cachoeiras tem 6 km de extensão ida e volta, exige cinco horas de caminhada e passa por seis cascatas – 7 de Setembro, Pulo, Degraus, Prainha, Andorinhas e Independência. O passeio termina na Casa de Pedra, uma caverna de arenito esculpida pela natureza, que, segundo a história, serviu refúgio para escravos fugitivos.
Outras três cachoeiras frequentadas por turistas estão distantes e em propriedades particulares: da Martinha, do Marimbondo e da Geladeira.
E mais
Balneário
Complexo da Salgadeira
Reformado para a Copa do Mundo de 2018, o Complexo da Salgadeira é uma forma de desfrutar da chapada com infraestrutura. O visitante segue por trilhas metálicas que dão acesso ao parque e aproveita as corredeiras de um curso d’água e uma cachoeira para se banhar, número limitado a 45 pessoas por hora. O local ainda oferece restaurante, banheiros, parquinho, lojinha e uma curiosidade: um minimuseu contando um pouco da história do fóssil de dinossauro descoberto na região. A entrada é gratuita, mas veículos desembolsam R$ 10 pelo estacionamento.
Cidade
Base para os passeios
Chapada dos Guimarães não designa apenas uma região, é também o nome de uma cidadezinha de 18 mil habitantes, base para os passeios no parque. A 800 m acima do nível do mar, tem clima agradável, principalmente no inverno. O destaque é um caso raro de barroco em Mato Grosso, a igreja Matriz de Sant’Ana, do século XVIII, com seus retábulos e a imagem de São José de Botas. Na praça onde a igreja está localizada, estão ainda uma feira de artesanato, lojas que vendem camisetas e a Delícias do Cerrado, com picolés e sorvetes com sabores de frutas da região, como umbu e tamarindo.
Serviço
Como chegar. BH/Cuiabá, pela Azul, a partir de R$ 1.347,24. Ida e volta para dezembro.
Onde se hospedar
Malai Manso Iate Convention & Spa. As diárias em dezembro e janeiro estão a partir de R$ 1.245 para casal, com cortesia de 2 crianças até 11 anos na mesma acomodação dos pais (mínimo de 2 noites), em regime all inclusive. MT–351, KM 67, lago do Manso. Acesse o site.
Onde comer
Moinho dos Ventos. Experimente o Maria Izabé (carne seca fatiada, frita, refogada, cozida com arroz em panela de ferro e servida com feijão, farofa de banana e salada) a R$ 150 (para 3 pessoas).
Aquário Encantado. Bufê de comida caseira a partir de R$ 20.