Nos últimos dias, viralizou nas redes sociais um comentário do marido de Sasha, o cantor João Lucas, respondendo a uma seguidora no Instagram, que escreveu que logo ele estaria usando maquiagem. “Daqui a pouco não. Eu já uso [maquiagem] com frequência. Inclusive, a Sasha que faz em mim”, revelou o compositor. A filha de Xuxa confirmou que maquia o marido em algumas ocasiões. “Às vezes, a gente coloca um ‘corretivozinho’ quando está com uma espinha ou quando a gente dorme um pouco menos, e aí fica com olheira. A gente bota um corretivo, uma base, uma coisa boba”, falou, em entrevista ao portal gshow.

O comentário levantou uma discussão que, vez por outra, surge quando um homem revela usar corretivo, base, batom, blush... Afinal, maquiagem tem gênero? A resposta deveria ser óbvia, mas é sempre bom reforçar: não, maquiagem não tem gênero nem denota a sexualidade de quem a usa. Em um mundo em que as pessoas se sentem cada vez mais livres para poderem se expressarem da forma em que bem entenderem, é natural, por exemplo, que queiram explorar algo que, ainda hoje, é lido como algo do universo feminino.

Professor do Curso de Design de Moda da UFMG, Tarcisio D’Almeida lembra, inclusive, que o uso de maquiagem por homens remonta ao passado. “Em séculos passados, a pompa do ritual de beleza (inclusive com uso de perucas, além da maquiagem) pertencia ao universo masculino, que aparecia em variados contextos sociais. É com a era das grandes rainhas no barroco e no rococó que essa estética é ‘transferida’ também ao universo feminino. Mas atualmente a maquiagem volta a fazer parte, sim, do cotidiano dos homens”, contextualiza.

Além de João Lucas, outros famosos dizem usar maquiagem, como o ator José Loreto, cantor Vitão, o músico e compositor Justin Bieber, o ator Channing Tatum e o rapper ASAP Rocky, marido de Rihanna – que, a propósito, é dona da marca de maquiagens Fenty Beauty. O criador de conteúdo Kaiqui Andrade, dono da página Hidrata que Passa (@hidrataquepassa), em que compartilha vídeos fazendo avaliações de produtos de cuidados com a pele, também é adepto da maquiagem.

Para ele, usar esses cosméticos é um “ato terapêutico.” “Para mim, é muito mais sobre me divertir e passar aquele tempo ali conectado comigo e com meu criativo, pensando em como a pele vai ficar, como vou combinar o olho, com a roupa com o evento, com as pessoas…”, conta. Nascido em Manaus, ele ressalta, no entanto, que não foi fácil começar a produzir conteúdos do tipo. “É uma cidade menor comparada com São Paulo, então, usar maquiagem ou maquiar alguém sempre foi um lugar de medo e vergonha. Na infância, esperava todo mundo sair de casa para poder usar as sombras aleatórias da minha mãe, mas sempre gostei e ficava de olho nos editoriais das revistas”, relembra.

Kaiqui Andrade, dono da página Hidrata que Passa (@hidrataquepassa), acredita que usar maquiagem é um ato terapêutico. Foto: Arquivo pessoal

 

Quando se fala em maquiagem direcionada ao público masculino, geralmente pensa-se em cosméticos mais neutros, que disfarçam olheiras ou escondem espinhas. No entanto, não existe regra. A maquiagem pode representar, a propósito, força de autoexpressão para o público queer, como no caso das drag queens, que a usam para reforçar o contorno dos lábios ou a cor dos olhos, por exemplo. “Sem sombra de dúvidas, o universo queer, das drag queens, responde pelas potências artísticas que a maquiagem pode causar nos rostos independente de gêneros e sexualidades. Tem a força de algo que ultrapassa a autoexpressão e reforça identidade”, evidencia o professor da UFMG.

Indústria da beleza de olho nesse mercado

Maquiador Rodrigo Costa, que assina beleza do desfile do Mondepars, idealizada por Sasha Meneghel, que promoveu o primeiro desfile da marca na última segunda-feira (10), afirma que a indústria de beleza está cada vez mais atenta às demandas acerca de diversidade e inclusão, passando por questões de etnia, gênero, idade etc. “Esse é um compromisso de todos, acredito, não somente de uma marca ou outra. O Brasil é um país plural, e essa pluralidade precisa estar contemplada, seja nos produtos de beleza e na moda ou no consumo de modo geral”, avalia ele que elaborou a maquiagem 100% assinada por produtos da marca Eudora. 

A Avon e a Natura são algumas das empresas de olho nesse mercado. Dentre as ações delas, estão campanhas de marketing e produção de produtos para diferentes gêneros. “A Avon acredita em uma beleza democrática, capaz de romper padrões estéticos limitantes e excludentes. Costumamos dizer que temos como objetivo criar uma Avon tão diversa quanto o Brasil e isso precisa se refletir na empresa tanto interna, quanto externamente, desde a criação do nosso portfólio até nossas campanhas publicitárias, canais de comunicação e redes sociais”, afirma a diretora de Maquiagem da Avon Brasil, Andrea Echeverri. 

“A Natura acredita que a maquiagem é uma forma poderosa de autoexpressão que transcende qualquer estereótipo de gênero. Para nós, maquiagem não é apenas um produto de beleza, mas uma ferramenta de liberdade que permite a cada pessoa expressar sua identidade única e autêntica. Vemos a maquiagem como um meio de quebrar barreiras e redefinir normas sociais, promovendo a aceitação e a celebração da diversidade em todas as suas formas”, afirma a diretora de Marketing e Comunicação Brasil da Natura, Denise Coutinho. Dentre as ações realizadas pela marca, estão o relançamento da linha Natura Faces, em 2017, que introduziu opções de gênero neutro ao mercado. “Desde então, a Natura tem promovido diversas iniciativas para estimular a inclusão e aceitação da maquiagem, como os da nossa Coleção do Amor, coleção de Natura Faces pensada especialmente para celebrar o Mês do Orgulho LGBTQIAPN+”, ressalta Denise.

Já a Avon já patrocinou a Parada do Orgulho LGBTQIAP+, em São Paulo, por exemplo, e criou da coleção limitada com o tema Pride, com cores e embalagens inspiradas na bandeira LGBTQIAP+. “Acredito que no mercado de beleza, de modo geral, o principal desafio para introduzir produtos culturalmente atrelados ao público feminino, como maquiagens, é a desconstrução de estereótipos de gênero atuais”, reflete Andrea. O influenciador Kaique Andrade concorda. “Queria ser mais otimista, mas acho que esse é um pensamento machista e heteronormativo [determinar que maquiagens sejam exclusivas para mulheres], que continua na cabeça das pessoas e do grande mercado”, diz.

“De fato, as mulheres são as maiores consumidoras de maquiagem; e nesse aspecto destacam-se as japonesas, por exemplo. Penso que o falte para esse apagamento de fronteiras de gêneros no uso de maquiagens é propiciar também aos homens não somente os atributos de bem-estar e cuidados com a pele, mas também o universo criativo e imaginário que a maquiagem propicia nas transições entre realidade e fantasia”, analisa o professor do Curso de Design de Moda da UFMG, Tarcisio D’Almeida.