"O gênero é que o menos importa, o que mais importa é o desejo de fazer acontecer". O relato é da mineira Fran Dias, empresária que montou  a primeira barbearia composta apenas por mulheres no Brasil. O estabelecimento de sucesso localizado no bairro Funcionários, região centro-sul de Belo Horizonte, é mais um exemplo, entre tantos outros, de que não existe "profissão de homem" e "profissão de mulher". Pelo contrário, a pioneira no ramo garante que fazer o que sempre sonhou mudou não só a sua vida, mas também das outras 11 funcionárias que trabalham com ela: "Dá uma boa condição de vida para mim e para as pessoas que trabalham comigo".


Fran ajuda a compor um dado que escancara o protagonismo feminino no ramo da beleza em Minas Gerais. No estado, 75% dos empreendimentos da área são compostos por microempreededoras mulheres. Mas andar na contramão e atuar em um ramo composto majoritariamente por homens, não foi uma tarefa fácil para a barbeira que  "nunca quis ser cabeleireira".

 Foi só após passar por uma depressão e sessões de terapia que a mineira de Timóteo, interior de Minas, se deu conta de que o seu sonho de infância era possível.


"Eu acredito muito que as coisas que você faz da vida, quando você está conectado com o universo, é meio que predestinado, sabe?".

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Rerefências na infância 

Fran Dias começou a cortar cabelos atendendo a domicílio. Foto: Arquivo Pessoal


Foi influenciada pelo tio que Fran começou a cortar cabelos. Em entrevista ao portal O TEMPO, ela relembra das vezes em que a sua referência chegava na casa da avó para renovar o visual dos parentes. Ainda muito nova, ela não podia fazer o mesmo, até que um dia foi surpreendida por outra tia, também cabeleireira:


"Ela deu uma tesoura para mim. Acho que de tanto eu falar que 'queria cortar cabelo'... Aí eu comecei a cortar o cabelo do vizinho, do irmão do vizinho... Fiquei nessa brincadeira dos 10 aos 17 anos, mas morria de vergonha de cobrar. Eu achava que o trabalho tinha que doer, né? E se alguém me pagava eu ficava com muita vergonha, porque era algo que eu estava me divertindo e eu achava injusto cobrar", relembra.


Presa em padrões sociais, Fran adiou o sonho que , a princípio, ela nem via como profissão. Antes de começar a empreender, foi babá, operadora de telemarketing, vendedora de mel nas ruas e até cozinheira em restaurante. Estudou e se especializou como técnica em segurança do trabalho, mas só depois de adoecer percebeu que não gostava do que fazia. 


"Eu precisei mexer no meu baú interno. Nesse sacode, comecei a pensar em tudo que eu já tinha feito na minha vida... Em 2014, quando ainda não tinha estourado o boom das barbearias, e sem influência do meio, eu lembrei dos vizinhos me chamando para cortar o cabelo....Nesse momento eu falei, 'gente, esteve aqui o tempo todo e eu não percebi".


O machismo


Fran Dias confessa que recomeçar não foi fácil. Foi entregando os panfletos para a inauguração de seu empreendimento, em 2016, que recebeu a primeira crítica com tom preconceituoso: "Um homem de uns 49 anos, na época, virou para mim e falou 'mulher não tem barba, como vocês vão fazer barba de homem?' E aí eu virei para ele e falei que existem muitos homens que são ginecologistas".


Sem pensar em desistir, alavancou o próprio negócio, que atualmente tem alta procura e agenda lotada. Após 8 anos de muito trabalho, a empresária ainda luta para que o seu pioneirismo deixe de ser novidade e para que outras mulheres se sintam confortáveis em trabalhar na área:


"De fato foi um processo muito mais lento do que uma barbearia que já é composta por homens. Primeiro que foi a primeira barbearia composta só por mulheres no Brasil. E mesmo assim, eu acho que hoje devem ter 2 ou 3. Se estranha muito e ainda é uma novidade. O meu trabalho é fazer com que isso deixe de ser novo", afirma.


A empresária também garante que a concorrência masculina está longe de ser um problema:


"Existe uma linha tênue da gente só virar o lado da moeda do preconceito. E essa não é a nossa ideia, sabe? Eu não posso fazer com que o barbeiro homem deixe de existir para eu existir. Até isso a gente também tem que educar. Eu não sou melhor do que o homem, eu posso fazer como ele. O fato de ser mulher é a menor barreira possível. Se lá atrás eu não tivesse ficado presa em padrões sociais, eu teria enxergado com mais facilidade a minha profissão sem ter passado pelo processo de sofrimento", finaliza a empresária de 36 anos.