Com vista privilegiada do Aglomerado da Serra, a maior favela de Minas Gerais, Lorraine Lopes, de 32 anos, viu a oportunidade de empreender. Do alto da laje, que tem como cenário, os morros tomados por moradias populares e parte das montanhas que circundam a capital mineira, ela montou uma estação de bronze. Lá, além de contemplar o belo horizonte, mulheres de todas as idades reforçam marquinhas de sol. Naquele local, está fincado o Serrão Bronze, fundado em janeiro deste ano, com o objetivo de tirar Lorraine da CLT - trabalho com carteira assinada. 

Ao concretizar o sonho de ser dona do próprio negócio, ela não pensou duas vezes em que ramo investir: o mercado da beleza. O setor, inclusive, é o segundo mais comum nos aglomerados de Minas Gerais. Mapeamento do programa Comunidade Empreendedora, realizado neste ano em parceria entre o Sebrae e a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese-MG), mostrou que 23% dos negócios das favelas mineiras são da área da beleza, perdendo apenas para o setor de serviço (24%).

A exemplo de Lorraine, milhares de mulheres que vivem nas comunidades seguiram o mesmo trajeto. Dentre as principais motivações, além de ter um negócio próprio e gerar renda para o sustento da família, estão a flexibilidade no horário e mais tempo para passar com os filhos. Porém, esses objetivos nem sempre se concretizam. "A realidade é que muitas têm de trabalhar no fim de semana. Não há férias e uma rotina exaustiva", pondera Michelle Noronha, analista do Sebrae-MG.

Apesar disso, principalmente em família monoparental feminina, na qual a mãe vive sem o parceiro e com filhos dependentes, empreender é a alternativa. "Muitas começaram a empreender por necessidade e não se veem como empreendedoras. Acham que fazem bico ou atividade temporária, mas permanecem assim por um longo tempo", detalha a professora e pesquisadora da Fundação Dom Cabral, Elisângela Prado Furtado.

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Economia girando na comunidade

A informalidade domina esses negócios, mas as cifras geradas são vultosas. Os empreendimentos das favelas, conforme o Sebrae-MG, movimentam R$ 30 bilhões por ano, somente em Minas Gerais. E grande parte da renda é girada dentro da própria comunidade. "Porém, são territórios que muitas vezes não são lembrados. Mas são locais com muita potência e desafios. Faltam pesquisas e incentivos para esses empreendedores", frisa Michelle Noronha. 

Com relação ao mercado da beleza nesses espaços, as mulheres dominam a área. "Esse mercado não somente gera renda, mas autoestima e inclusão", ressalta a especialista do Sebrae. Das vantagens dos negócios nas favelas estão o atendimento em domicílio (ou próximo da moradia do cliente) e a relação positiva com o território. Especialista em pessoas e organizações da Dom Cabral, Elisângela destaca que as classes C, D e E predominam nos estabelecimentos localizados nas favelas, especialmente, mulheres negras.

Lorraine, citada no início desta matéria, encaixa-se no perfil traçado pela pesquisa. Trabalhava como vendedora em um shopping, mas optou por arriscar, entre outros motivos, para ter mais tempo de qualidade com o filho, de 11 anos. Além disso, sonha em aumentar a renda familiar. 

"Tem a questão do horário. Posso determinar minha carga horária e tenho a oportunidade de crescer. Pretendo comprar uma casa e tirar carteira", projeta. Com relação ao espaço localizado em um ponto estratégico do Aglomerado da Serra, comunidade em que mora desde os 14 anos, ela ressalta que já conhece o público. "É uma facilidade, sei que tem demanda. Além disso, é importante fazer a economia girar dentro da minha comunidade", pontua.

A pesquisa do programa Comunidade Empreendedora ainda revelou que 76% dos moradores das favelas têm vontade de ter um negócio próprio. Em BH, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 12% das moradias estão nessas localidades. Quando se amplia para o Estado, 598 mil moradores habitam nas 372 comunidades espalhadas em 33 municípios mineiros.

Beleza e força da mulher da periferia

Eliane Pereira Santos é proprietária da Natural Kosméticos, e produz cosméticos veganos. Crédito: Iara Silva/Divulgação

Eliane Pereira Santos, de 51 anos, também é empreendedora. Há três anos, lançou a Natural Kosméticos e produz produtos de beleza, como hidratantes, séruns, shampoo, condicionador, além de velas aromáticas veganos e naturais. Moradora do bairro Céu Azul, na região de Venda Nova, sempre atuou no ramo da beleza. Por muitos anos teve salão, mas mudou de rumo por necessidade, após o marido sofrer com as consequências do diabetes. "Ele vivia com o pé rachado. Comecei a estudar cosméticos naturais, fiz cursos e criei a minha linha do zero, usando extratos naturais e glicerinados", conta.

Mãe especial de um menino autista, Eliane agora trabalha em um espaço montado em casa. "Tenho mais liberdade para cuidar do meu filho e levá-lo à terapia. Sustento minha casa com cosméticos naturais", celebra. 

E os sonhos da empreendedora não terminam com o sucesso do negócio. "Tenho a intenção de expandir. O primeiro passo é regularizar a Natural Kosméticos. Depois disso, pretendo ter funcionários e ajudar o povo da comunidade. Ajudar mulheres negras, assim como eu, a poderem sustentar suas famílias, com condições dignas de vida", almeja. Atualmente, Eliane participa de seminários do Sebrae-MG para formalizar o empreendimento e aprender a gerir as finanças.

Pesquisadora da Dom Cabral, Elisângela Furtado reforça a necessidade de apoiar empreendimentos como os de Eliane e Lorraine. "O empreendedorismo é uma força, porém, faltam conhecimentos básicos para poder crescer. Faz-se  necessário política pública para desenvolver e aumentar o acesso à educação dessas pessoas", enfatiza.

A Fundação Dom Cabral possui uma plataforma que oferece cursos gratuitos para os empreendedores. Trata-se da Pra>Frente Play. "Ela foi pensada em conceitos básicos para os empreendedores. Há vídeos de até 5 minutos para facilitar o aprendizado. Basta acessar o site, fazer o cadastro e ter uma experiência de Netflix para empreendedores", destaca.