O terceiro dia da Conferência das Mudanças Climáticas da ONU (COP 29), que reúne representantes de cerca de 200 países em Baku, no Azerbaijão, foi marcado pela apresentação na Cúpula de Ação Climática dos Líderes Mundiais, das futuras metas assinaladas por cada nação perante o desafio de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês). O objetivo é manter o aquecimento global do planeta limitado a 1,5°C até o fim do século 21. E a NDC do Brasil foi a de reduzir suas emissões entre 59% e 67% até 2035, tomando como base os níveis de 2005, e pela primeira vez, o país mencionou redução no uso de combustíveis fósseis.
Num documento de cerca de 60 páginas, o país apresenta uma proposta de governança que contempla os arranjos institucional, político, econômico e socioambiental, denotando a multidimensionalidade desta abordagem, com destaque para inúmeros planos e ações que devem subsidiar as metas anunciadas (Governo, sociedade e economia). Embora o documento faça referência a um conjunto de planos, ações e estratégias, não consegue articular os requisitos necessários para, de fato, caracterizá-lo como um instrumento de planejamento integrado, o que não inviabiliza a proposta, mas determina a necessidade de desenvolvimento e detalhamento.
Para o urbanista Sérgio Myssior e o biólogo Thiago Metzker, à frente do Grupo MYR - Soluções em ESG -, e do Instituto Bem Ambiental (IBAM), que acompanham o debate direto de Baku, no Azerbaijão, como observadores internacionais selecionados pela ONU, ainda que a meta da NDC apresentada possa ser considerada desafiadora, os especialistas, de uma maneira geral, esperavam compromissos mais ambiciosos, tendo em vista o protagonismo que o Brasil se esforça em demonstrar na agenda climática internacional, especialmente em se tratando do país com a maior biodiversidade do planeta e já integrante da denominada Troika, que reúne os países dos Emirados Árabes Unidos, do Azerbaijão e do Brasil para favorecer o engajamento dos demais países em metas, recursos e ações de maior relevo no combate às mudanças climáticas.
“A NDC apresentada pelo Brasil é abrangente e inclusiva, incorporando a justiça climática e um pacto pela transformação ecológica”, diz Sérgio. Para ele, o país tem toda a condição de endereçar propostas concretas, impulsionando avanços já em 2024, fundamentais para subsidiar uma ambição climática sintonizada com as urgências contemporâneas. Sem isso, haverá um acúmulo de medidas ou mesmo um descrédito em relação aos avanços que poderão ser alcançados na COP 30 em 2025, a ser realizada na Amazônia, em Belém (PA), com foco na implementação do que for apresentado agora, em 2024.
“O país já está desenvolvendo o Plano Clima, que servirá como guia da política climática brasileira até 2035; lançou o Pacto pela Transformação Ecológica, um arranjo institucional que reúne os três poderes, e convoca todos os atores, inclusive a sociedade civil, para que juntos participem. No âmbito local, é essencial que governos estaduais e municípios se envolvam de verdade em ações práticas de mitigação e, especialmente, de adaptação climática, para passarmos a desenvolver a justiça ambiental em nossas cidades, vilas, ruas e bairros. Por isso, precisamos de medidas concretas, participativas, de recursos e projetos eficientes”, reforça o urbanista.
No preâmbulo do documento da NDC que chegou nesta quarta-feira (13) à ONU, o governo brasileiro diz que o país reconhece a crise climática, assume a urgência da construção de resiliência e desenha um roteiro para um futuro de baixo carbono para sua sociedade, sua economia e seus ecossistemas. E afirma que se vê, em uma década, unindo sociedade, setores econômicos e entes federativos para levar adiante o Pacto Nacional pela Transformação Ecológica, com base na equidade, na ciência e nos saberes ancestrais. Lembrou as tragédias que comprovam as mudanças do clima – como as secas na Amazônia, as chuvas extremas em suas cidades, incluindo as enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul.
Em toneladas de carbono equivalente (CO2), medida usada para calcular as emissões líquidas, a proposta brasileira é cortar entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas em 11 anos. Em agosto, a rede Observatório do Clima (OC) afirmou que a nova NDC do Brasil deveria ser capaz de reduzir as emissões em 92% até 2035, considerando a responsabilidade do Brasil, especialmente pelo desmatamento da Amazônia, que apresentou reduções no último ano.
Geraldo Alckmin, vice-presidente brasileiro que representa a delegação do Brasil na COP 29, ressaltou que a meta apresentada reflete a “visão de um país que se volta para o futuro e que está determinado a ser protagonista da nova economia global, com energias renováveis, combate à desigualdade e comprometimento com o desenvolvimento sustentável”. Em seu discurso perante outros líderes nesta quarta-feira (13), Alckmin lembrou ainda que todos os esforços globais para enfrentar as mudanças climáticas tiveram início no Brasil, durante a Eco92, no Rio de Janeiro. (Com informações da Agência Brasil)
TRANSPARÊNCIA E RESPONSABILIDADE
“O secretário-geral da ONU, António Guterres, fez declarações contundentes para que a COP 29 consiga derrubar os muros do financiamento climático e que os países em desenvolvimento não saiam de mãos vazias de Baku”, avalia o biólogo Thiago Metzker, em um balanço do terceiro dia de COP 29. De acordo com o especialista, o chefe da ONU indicou cinco grandes elementos essenciais para o sucesso das negociações. Um deles está relacionado ao aumento significativo do fluxo de recursos públicos concessionais.
“Além de reforçar a necessidade de garantir a transparência da plataforma, responsabilizando quem doa e quem recebe o dinheiro, Guterres trouxe uma polêmica: a proposta de aumentar particularmente impostos sobre o transporte marítimo, de aviação e de extração de combustíveis fósseis, para apoiar os financiamentos”, pontua Metzker. “António Guterres, por último, ainda lembrou que os fundos de perdas e danos, que foi criado na COP 28, no ano passado, ainda tem recursos escassos e demanda um aporte, para que seja efetivamente gerido”, conclui.
INOVAÇÕES SUSTENTÁVEIS NA PAUTA DA COP
O urbanista Sérgio Myssior e o biólogo Thiago Metzker, à frente do Grupo MYR e do Instituto Bem Ambiental (IBAM), participaram hoje do Climate Action Innovation Zone, um importante encontro sobre inovações sustentáveis, que integra a programação da COP29 em Baku, Azerbaijão. Na mesa de discussões, debates essenciais em torno do financiamento das mudanças climáticas reuniram a iniciativa privada do ecossistema de inovação, representada por provedores de tecnologia e soluções, investidores, governos, cidades e agentes de mudança.
“Uma das pautas discutidas neste encontro é o ordenamento denominado PRI – Princípios para o Investimento Responsável, que foi desenvolvido durante os cerca de dois anos que se seguiram ao anúncio do secretário-geral da ONU, em Nova York, demonstrando o engajamento de mais de 400 instituições financeiras, que representam mais de 15 trilhões de dólares em ativos, na Agenda ESG”, ressalta Myssior. “Ou seja, é uma agenda onde as empresas mais do que realizam ações socioambientais e de responsabilidade, elas inserem essa agenda ambiental na sua estratégia e na sua governança”, analisa.
*Correspondentes especias de O TEMPO na COP29