A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos acende uma luz amarela no Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty. Com o resultado favorável ao republicano na disputa contra Kamala Harris, a batalha comercial dos norte-americanos com a China deve ganhar capítulos mais acirrados, em um tabuleiro de xadrez que reúne os dois principais parceiros econômicos do Brasil. 

O cenário, avaliam especialistas, demandará habilidade política além da vocação diplomática. A corrente comercial brasileira - total dos volumes importados e exportados - com Estados Unidos e a China já ultrapassa neste ano os US$ 202 bilhões, de acordo com dados consolidados até outubro pela Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. 

Nos Estados Unidos, porém, o pacote econômico projetado por Donald Trump prevê uma valorização da produção nacional e aumento de impostos a produtos importados. A promessa é de aumentar tarifas entre 10% e 20% sobre praticamente todas as importações dos EUA, incluindo as que vêm de países aliados, e em pelo menos 60% sobre as mercadorias com origem na China. 

O professor de Direito Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Evandro Menezes afirmou que o primeiro mandato de Trump, entre 2016 e 2020, deixa lastros de como serão conduzidas as relações comerciais e diplomáticas dos Estados Unidos a partir de 2025. Ele lembrou a postura adotada na primeira vez em que Donald esteve na Casa Branca, retirando o país de organismos importantes como o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas e da Unesco. 

“Foi uma pessoa (Trump) que intensificou a competição com China a partir de uma guerra comercial, ampliando as barreiras tarifárias, criando algumas barreiras não tarifárias também. O problema é que ele misturou esses temas de comércio na relação com a China com temas de segurança nacional”, destacou Menezes, também professor na Universidade Federal Fluminense (UFF). 

O docente citou a preferência por relações bilaterais de Trump, deixando de lado o multilateralismo, como uma possibilidade de risco ao Brasil. Menezes avaliou que nas negociações bilaterais os Estados Unidos mantêm uma vantagem ante aos demais países em função do porte da economia norte-americana - na dianteira mundial -, com um Produto Interno Bruto (PIB) estimado em US$ 29,17 trilhões, conforme o Fundo Monetário Internacional (FMI). 

“Essa preferência pela relação bilateral, joga o mundo novamente em um período, nos próximos anos, de incerteza em relação à estabilidade do sistema internacional. E isso pode ter repercussões no Brasil, primeiro porque os EUA é grande competidor do Brasil na parte de soja, laranja, mas ao mesmo tempo é um país que o Brasil tem relações comerciais significativas, então essas atitudes protecionistas terão repercussão no Brasil e pode criar uma necessidade de aprofundamento ainda maior nas relações com a China”, observou. 

Diversificação 

Pesquisador de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais, João Paulo Nicolini, no entanto, projeta uma necessidade de abertura de novos mercados para as exportações dos produtos brasileiros de origem agropecuária e da mineração, para não criar uma dependência do mercado chinês. Atualmente, o país tem negociações com mais de 230 países. 

“Embora o mercado chinês consuma com ávido apetite as nossas commodities tanto no cenário da mineração, quanto no cenário agroexportador, é importante abrir novos mercados porque depender demais da China no momento de guerra comercial é um risco. Não sabemos quantificar o problema econômico que os chineses também estão passando e como isso será acentuado com o crescimento de novas barreiras tarifárias do mercado americano”, salientou Nicolini. 

O pesquisador acredita que um aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, medida já sinalizada por Trump para controle inflacionário, deve reduzir a competitividade do Brasil para futuros investimentos. “Isso vai criar algumas dificuldades para alguns setores da indústria exportadora brasileira. As tendências econômicas de Trump reverberam internacionalmente e isso afeta a economia nacional de alguma forma na convenção do real com o dólar, sobre a competitividade dos nossos setores”, refletiu João Paulo.

O que fazer? 

Evandro Menezes, da FGV, sugeriu que o Itamaraty reavalie a estratégia de relacionamento com a China. No cenário atual, em função da boa relação entre Joe Biden e o presidente Lula (PT), o Planalto opta por manter uma certa distância dos chineses na tentativa de estabelecer um equilíbrio e não causar desagrados à Casa Branca. O professor criticou, ainda, a postura do petista que classificou, às vésperas da eleição nos EUA, o governo de Trump como “nazismo com outra cara”.

“Não é um tipo de afirmação que um presidente deveria fazer. Acredito que o governo Lula tinha que fazer uma reforma total na sua estrutura de política externa, para os Estados Unidos e para a China. Penso que Lula tinha que colocar na Embaixada do Brasil em Washington e na Embaixada de Pequim, embaixadores com estatura política. Pela primeira vez, acho que está na hora de personalidades políticas, que transitaram no Senado, no Congresso, ex-governadores para costurar relações políticas com os dois países”, indicou Menezes. 

Neste sentido, o professor de Direito Internacional da FGV e da UFF ainda cita a necessidade do país ter uma política de interesse nacional. “Mas que tenha estratégias de ações e compromissos com os Estados Unidos e com a China. O governo Lula precisa ter uma política externa, além de altiva e ativa, ela precisa ser criativa. Da maneira como está, o Brasil parece não querer conversar com os chineses. Só que com a eleição do Trump será necessário repensar essa estratégia”, finalizou Menezes ao citar a resistência do governo Brasil em aderir à iniciativa Cinturão e Rota, liderada pela China. 

O mecanismo, chamado de 'a nova rota da seda', pretende aproximar o país governado por Xi-Jinping do mundo exterior. Isso seria feito com investimentos e projetos de infraestrutura como ampliação de ferrovias e usinas para geração de energia.

João Paulo Nicolini, por sua vez, defende uma atuação neutra e sem causar arranhões na relação com a Casa Branca. “Não tem como o Brasil hoje se dissociar e criar problemas com um parceiro gigantesco não só na economia, mas a nível de ensino superior, de intercâmbio. Não dá pra imaginar a economia brasileira sem o apoio norte-americano. Não dá para o Itamaraty se dar ao luxo de pensar uma política externa em que se cria problemas com os Estados Unidos”, sublinhou. 

A reportagem entrou em contato com o Ministério das Relações Exteriores, que não se pronunciou sobre o assunto até a publicação desta matéria.