A tragédia envolvendo a brasileira Juliana Marins, 26, se transformou, por óbvio, no tema principal nos grupos de montanhistas brasileiros desde que a publicitária de Niterói (RJ) desapareceu na trilha do vulcão Rinjani (3.726 metros de altitude), na Indonésia, na sexta-feira (20). E, embora ainda não haja informações suficientes para analisar o quadro completo, especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo apontam uma série de erros ao longo de todo o processo, a começar pelo fato de ela ter sido supostamente deixada para trás por um grupo que pretendia passar dois dias e uma noite numa trilha - definida no site do parque onde fica o vulcão como exigente.

Para Adilson Teixeira da Silva, idealizador e fundador do Clube de Aventura Atma, que leva grupos aos principais destinos de montanha do país, embora ainda não se saiba se a morte ocorreu pela queda ou por algum outro fator, como a hipotermia, é um absurdo a brasileira ter sido abandonada para trás, sem um guia de retaguarda. Essa pessoa seria a responsável por alertar sobre a queda e desaparecimento da vítima.

Outro apontamento feito pelo especialista é: se a morte não decorreu do impacto inicial, por que ela não estaria levando um kit mínimo de emergência, com manta térmica, rastreador e agasalho, por exemplo?

"Nesse tipo de trilha, é importante para começar o guia saber se a pessoa tem condição para fazer a travessia, se tem alguma experiência para dar conta dos desafios que vai encontrar, se está com os equipamentos necessários e, para o organizador, disponibilizar um número de guias proporcional ao de pessoas que vai levar, com experiência de atendimento a emergências e possibilidade de acionar o resgate quando necessário", ressalta.

Para o montanhista Rodrigo Rodriguez, o que é mais visível que faltou foi "um plano de resgate acionado logo nas primeiras horas, mesmo que as condições não fossem favoráveis". Segundo ele, faltaram também "comunicação efetiva e clara entre guia, equipe de resgate, familiares, embaixadas e entidades diplomáticas", para eliminar as informações desencontradas. E aponta ainda como "impensável a falta de drones de imagem e carga nas equipes de resgate".

"Se não fossem os turistas espanhóis que tiraram a foto do drone, tudo teria sido mais difícil, mas se as equipes de resgate tivessem o equipamento, poderiam ter agido com mais presteza e objetividade", acrescenta.

Segundo a BBC, nos últimos cinco anos, as trilhas desse vulcão registraram seis mortes. Não se sabe qual é a capacitação dos guias que levam turistas por um terreno pedregoso e escorregadio que, pelo que se viu nas fotos, não tem qualquer anteparo ou cabo para ajudar a impedir mais quedas. Mas fica muito claro que, com o resgate só viabilizado, no final, graças à mobilização voluntária de um grupo de montanhistas locais guiados por Agam Rinjani, faltou uma estrutura de atendimento de urgência em uma região conhecida por ventos fortes que dificultam o voo de helicópteros, chuvas inesperadas e trilhas traiçoeiras. As temperaturas, na área, chegam facilmente a -4°C. Pelas fotos tiradas por drone de um turista, é possível observar que Juliana não estava vestida para enfrentar temperaturas tão baixas, algo que deveria ter sido orientado.

Vale a pena observar que a trágica contabilidade de acidentes se inicia justamente no período da pandemia de Covid-19, que levou um número muito maior do que o habitual de curiosos sem experiência a procurar o chamado turismo de aventura em todo o mundo.

O isolamento social fez com que a procura por cantos distantes de aglomerações urbanas vivesse um boom, criando toda uma indústria que nem sempre estava preparada para atender às necessidades básicas de segurança. A quantidade de acidentes em várias modalidades do setor não ocorre por acaso.

"Há uma falta de cultura montanhista e de humildade", alerta Davi Ribeiro, que regressou recentemente de uma expedição ao monte Caburaí, extremo norte do país, no estado de Roraima. "Estamos vendo uma deficiência de formação em todas as atividades de esporte outdoor e, no montanhismo especificamente, se difundiu uma ideia muito errada de que subir uma montanha é só pegar a mochila e fazer uma caminhada, o que não é", acrescenta.

Embora a tentação de criticar a falta de grupos de resgate na região do Rinjani como os que existem em vários pontos críticos do montanhismo brasileiro - como os Anjos da Montanha, do Parque Nacional de Itatiaia, o Grupo de Resgate em Montanha, de Joinville, ou o Cosmo, na serra do Marumbi, no Paraná - seja grande, Ribeiro ressalta que em boa parte do Brasil e do mundo vive-se uma febre de montanhismo amador e irresponsável, onde guias mal ou nada treinados se metem a levar incautos a situações que não raro acabam demandando a mobilização de bombeiros.

Some-se a isso uma corrente de montanhistas que defende a ideia romântica de que correr riscos que seriam desnecessários faz parte da aventura, que não deve ser regulamentada, e que cada um assume seus desafios sem ter que prestar contas a ninguém, e novas tragédias estão anunciadas.