Sob forte chuva, milhares de budistas, além de políticos indianos e celebridades como o ator americano Richard Gere, estiveram na cerimônia de comemoração dos 90 anos do monge Tenzin Gyatso, 14º dalai-lama, neste domingo (6), em Dharamshala, na Índia.
O líder do budismo tibetano evitou novas declarações sobre sua sucessão, depois de provocar uma série de reações por parte de Pequim durante a semana. O dalai-lama mora desde 1959 na Índia, para onde fugiu aos 23 anos depois da derrota de uma revolta armada contra o controle chinês do Tibete ou, como a região é chamada na China, Xizang.
Na quarta-feira (2), ele anunciou que pretende reencarnar e designou sua própria fundação, Gaden Phodrang Trust, como responsável por confirmar seu novo corpo. "Ninguém mais tem qualquer autoridade para interferir nesse assunto", disse então, em referência velada à China.
Em Pequim, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Mao Ning, reagiu. "A prática da reencarnação do Buda Vivo é um método de sucessão único do budismo tibetano. A reencarnação do dalai-lama e do panchen-lama [segundo na hierarquia] segue rituais religiosos rigorosos e convenções históricas", disse ela.
"Os princípios de busca e identificação na China, sorteio da urna dourada e aprovação do governo central devem ser seguidos. O próprio 14º dalai-lama foi entronizado após tal processo e com a aprovação do então governo central da China. A reencarnação do dalai-lama deve seguir o mesmo conjunto de princípios religiosos e convenções históricas, bem como as leis chinesas", acrescentou Mao.
Neste domingo, o embaixador chinês na Índia, Xu Feihong, voltou à carga. "O sistema de reencarnação do budismo tibetano existe há 700 anos e, no momento, há mais de mil linhagens no Tibete e em regiões habitadas por tibetanos como Sichuan, Yunnan, Gansu e Qinghai", disse. "A reencarnação de dalai-lamas não começou com ele e não vai terminar com ele. Ele não tem autoridade para abolir o sistema."
A linhagem por reencarnação começou no século 14, mas o título de dalai-lama só foi dado em 1580, pelo líder mongol Altan Khan, tributário da dinastia Ming.
Para além da religião, textos oficiais chineses argumentam com a jurisdição histórica sobre a região que é estratégica para o país por ser a origem dos principais rios, base de sua agricultura. Um dos documentos mais lembrados é o decreto de Kublai Klan, imperador da dinastia Yuan, incorporando o Tibete ao sistema administrativo central.
Na véspera do aniversário, após as reações chinesas ao longo da semana, o dalai-lama indicou que não vê a reencarnação próxima, afirmando que espera viver "mais de 130 anos". Pequim não comentou a nova declaração.
Mas o apoio inicial dado por um ministro indiano, Kiren Rijiju, à fundação como única autoridade sobre o sistema, sem espaço para interferência, levantou críticas chinesas ao país. "Esperamos que o lado indiano compreenda plenamente a natureza altamente sensível das questões relacionadas ao Tibete e reconheça a natureza separatista e antichinesa do 14º dalai-lama", afirmou Mao Ning.
Logo na sequência, o porta-voz da diplomacia indiana, Randhir Jaiswal, comentou ter tomado conhecimento de "relatos relacionados à declaração" do dalai-lama sobre a reencarnação e apresentou, como esclarecimento: "O governo da Índia não toma nenhuma posição nem fala sobre questões relativas a crenças e práticas de fé e religião".
No domingo, presente ao aniversário em Dharamshala, o ministro Kiren Rijiju falou que sua declaração havia sido em caráter pessoal, como budista. E o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que está no Brasil para a cúpula do Brics, parabenizou o dalai-lama em mídia social pelos 90 anos, como "um símbolo duradouro de amor, compaixão, paciência e disciplina moral".
Índia e China vem buscando se reaproximar após um conflito de fronteira há cinco anos. Um dos principais movimentos foi Pequim liberar a entrada de centenas de indianos, tanto budistas como hindus, para peregrinações até a montanha Kailash e o lago Mansarovar, no Tibete, entre junho e agosto.
Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump não se manifestou, mas seu secretário de Estado, Marco Rubio, também parabenizou via mídia social, dizendo que "o dalai-lama continua a inspirar com sua mensagem de unidade, paz e compaixão".
Também por mídia social, em chinês e inglês, o presidente taiwanês, Lai Ching-te, escreveu que agradecia ao dalai-lama "por sua dedicação à paz e aos direitos humanos, valores que ressoam profundamente em Taiwan".