Ao fim de uma semana em que Xi Jinping flexionou sua musculatura diplomática ao lado de Vladimir Putin e Narendra Modi, o presidente Donald Trump acusou o golpe de forma irônica. "Parece que perdemos a Índia e a Rússia para a China mais profunda e sombria. 

Que eles tenham um longo e próspero futuro juntos!", escreveu nesta sexta-feira (5/9) o americano na rede Truth Social, controlada por uma de suas empresas. A gracinha traz o incômodo das imagens da semana, que refletem por sua vez a barafunda da política externa do republicano.

No domingo (31) e na segunda (1º), Xi sediou o encontro da SCO (Organização de Cooperação de Xangai, na sigla inglesa), onde recebeu Putin e Modi, além de outros líderes da entidade criada em 2001. Anunciou a criação de um banco do grupo, criado para lidar para questões de segurança.

"A proposta impressiona porque a SCO nunca foi pensada como um bloco econômico. Num mundo sem âncora, economia e segurança andam juntas.", disse nesta sexta em uma análise Antonia Colibasanu, da consultoria americana Geopolitical Futures.

Mais importante, havia a foto dos três líderes, de países fundadores do Brics ao lado do 
Brasil, em pleno congraçamento. Na semana anterior, Trump havia imposto sobretaxas de importação que levaram a tarifa cobrada da Índia a 50%, mesmo nível aplicado a Brasília.

Como no caso brasileiro, em que Trump diz querer livrar Jair Bolsonaro da cadeia no julgamento da trama golpista, a motivação com os indianos é política: o americano afirma que queria punir Nova Déli por fomentar a máquina de guerra de Putin ao comprar petróleo cru em grande quantidade da Rússia.

Até aqui, a Índia era uma aliada dos EUA, foco da política de Washington de tentar equilibrar o jogo asiático com a China. O movimento, após um azedume que já vinha da alegação falsa de Trump de que teria acabado com o conflito indo-paquistanês de maio, empurrou Modi para os braços do rival Xi.

Além disso, Trump não puniu o maior comprador de petróleo russo, a rival China com quem ainda negocia a questão tarifária, ou países europeus que ainda dependem da commodity de Putin. Assim, se os EUA perderam a Índia para a China, isso poderá ser debitado da conta do seu presidente.

O caso russo é ainda mais complexo. Após a cúpula da SCO, Putin permaneceu na China como principal convidado do desfile militar dos 80 anos do fim da Segunda Guerra, em Pequim. Viu Xi desfilar novos mísseis capazes de alvejar os EUA com ogivas nucleares e seus navios com armas convencionais.

Aumentando o simbolismo do olhar a leste do russo, ele e Xi foram ladeados pelo ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, que tem fornecido tropas e munição para a ajudar Putin em um acordo de defesa mútua que levou soldados asiáticos a lutar na Europa pela primeira vez desde os tempos de Gengis Khan.

Vinte dias antes de invadir a Ucrânia, pouco depois de Trump deixar seu primeiro mandato, Putin selou um pacto de "amizade sem limites" com os chineses. Ele não é militar em natureza, mas na prática levou a uma cooperação grande entre as forças dos países, com patrulhas conjuntas frequentes.

Xi abriu uma linha de oxigênio econômica para a Rússia, isolada por sanções do sistema financeiro internacional. Em troca, petróleo barato e, com a aparente saída do papel do projeto do megagasoduto Força da Sibéria 2, gás abundante no futuro.

Trump tentou atrair Putin dessa união ao retirar o apoio incondicional a Kiev na guerra iniciada pelo russo em 2022. Até uma cúpula ele ofereceu ao russo no Alasca, há três semanas. Mas a negociação pelo fim do conflito segue emperrada, com forte pressão da Europa para que o americano não ceda ainda mais a Moscou.

Com isso, se perdeu a Rússia para a China, Trump tem um papel ativo e pode se considerar perdedor no processo. Por óbvio, tudo é muito jogo de cena, dado que os chineses não têm poder político para interferir na Guerra da Ucrânia com os EUA ainda têm, mas o ciúme geopolítico fica explícito.

Antes da postagem, o Kremlin havia dito, passando pano para uma fala anterior em que Trump dizia que Xi, Putin e Kim  "conspiravam contra os EUA" no desfile, que o americano estava sendo só irônico.