Enquanto o Brasil sente os impactos da invasão da Ucrânia pela Rússia, um novo conflito geopolítico pode afetar ainda mais a economia brasileira: a crise entre China e Taiwan, após a visita da presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, à Ilha Formosa abalar a Ásia. Números do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) mostram que Taiwan é 42º país que mais compra do Brasil: US$ 1,3 bilhão só em 2021 e US$ 804 milhões entre janeiro e julho deste ano. Já a China é o elefante na sala: o Brasil teve um saldo de US$ 40,2 bilhões de superávit com Pequim no ano passado, a principal relação comercial brasileira em todo o mundo.
Para entender os reflexos, a reportagem de O TEMPO conversou com o coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Evandro Menezes de Carvalho, e com o especialista em Direito Internacional, Emerson Malheiro. Quanto a Taiwan, os dados do Mdic mostram que 67% da demanda da ilha por produtos brasileiros vem dos grãos. “A preocupação nem é tanto Taiwan. Mas, é claro que perder qualquer tipo de comprador para o Brasil tem um impacto no nosso comércio internacional. Ainda mais quando é um comprador de grãos, do nosso agronegócio. Cumpre um papel importante na nossa balança comercial. Mas, é importante lembrar também que qualquer conflito que envolva a China é dramático para nossa economia”, diz o especialista da FGV.
O advogado especialista em Direito Internacional, Emerson Malheiro, concorda com o colega. “Há um impacto econômico considerável para o Brasil, porque a logística fica complicada. Embarcações militares da China estão navegando no mar de Taiwan, dificultando que navios comerciais saírem de lá para entregar produtos para outros países”, afirma.
Em 2021, o Brasil importou US$ 2,7 bilhões em produtos de Taiwan, ou seja, a balança comercial é deficitária em R$ 1,3 bilhão. Na prática, o Brasil compra o dobro que vende para a ilha. A principal demanda brasileira é por válvulas termiônicas, equipamentos usados, sobretudo, na indústria dos instrumentos musicais para construção de caixas de som: 41% das compras são do setor. Mas, também há relevância em equipamentos de telecomunicações (5%), indústria da transformação (4,9%) e máquinas de processamento de dados (4,4%).
Taiwan à parte, a maior preocupação de Evandro Menezes de Carvalho, da FGV, é com os reflexos da tensão na balança comercial Brasil-China. Assim como Taiwan, cerca de 40% das vendas brasileiras para Pequim saiu da soja, mas também há grande relevância do minério de ferro (20%), petróleo (16%) e carne bovina (8,1%). Na contramão, o Brasil importa uma enorme variedade de produtos do gigante asiático, como adubos e fertilizantes, aparelhos elétricos, inseticidas, válvulas termiônicas e medicamentos, sem domínio de um setor específico.
“Então acho que não é só uma questão taiwanesa, nem é um país tão relevante. Mas, o mais relevante de todos é a China. Então o que devemos preocupar é que qualquer conflito que envolva a China é prejudicial para os interesses brasileiros”, diz Evandro. Ele lembra que a relação entre os países é de “baixo perfil”, sobretudo após o embaixador chinês no Brasil deixar o País latino após desavenças públicas com o presidente Jair Bolsonaro (PL).
“O Brasil tem uma relação com a China de comércio muito boa, porém uma relação ainda hoje de baixo perfil. As possibilidades de cooperação com a China são inúmeras, mas estão sendo pouco exploradas nesse governo, a ponto da China sequer ter um embaixador aqui no Brasil. O embaixador que tinha antes retornou pra China já há alguns meses. Agora, tem um encarregado de negócios,o que mostra que a relação na área de negócios, comercial e de parceria com o Brasil está um pouco morna e, obviamente, um conflito com a China poderia abalar um pouco mais”, afirma Evandro Menezes de Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV.
O Brasil deve se posicionar no conflito?
Diante da tensão na Ásia provocada pelos EUA, fica o questionamento: o Brasil deveria se posicionar de algum lado publicamente, como o presidente Bolsonaro fez na guerra entre Rússia e Ucrânia, quando visitou Putin semanas antes do início do conflito no Leste Europeu? Para os especialistas ouvidos pela reportagem, o caminho mais indicado é o da neutralidade.
Evandro Menezes de Carvalho, da FGV, lembra que o Brasil reconheceu a República Popular da China em 1974, durante a ditadura militar. Segundo ele, nunca houve tensão entre Pequim e Taiwan desde o fim da guerra civil entre nacionalistas e comunistas, encerrada em 1949. O coordenador explica que não há uma luta pelo reconhecimento da ilha como um país independente, mas se a China é governada por comunistas ou nacionalistas.
“Isso é o resultado do princípio de que só há uma única China, princípio esse que foi inclusive reiterado em 1992 tanto pelo partido comunista da China e quanto pelo partido nacionalista. Como sabemos, o atual governo não é do partido nacionalista. É do partido democrático progressista, que portanto não tem esse compromisso (de validar o acordo de 1992)”, diz.
Como o Brasil reconheceu que a China era governada pelos comunistas em 1974, o ideal é reafirmar esse compromisso agora, segundo Evandro. “Eu diria que o Brasil não deveria, neste momento, se envolver nessa. Inclusive, para os interesses brasileiros, tanto melhor que a China permaneça unificada e estável. Quanto mais a China permanecer unificada e com seus movimentos econômicos dando continuidade, melhor para os interesses brasileiros”, completa.
O advogado especialista em Direito Internacional, Emerson Malheiro, vai na mesma linha. “Se o Brasil apoiar a China, pode ser visto como um país antidemocrático. Por outro lado, se apoiar Taiwan, poderá receber severas retaliações da China. Então, manter-se como observador é o mais indicado", afirma.