O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, decidiu recorrer ao seu maior aliado externo, Vladimir Putin, em meio à crescente crise com a Guiana.
Maduro está sendo esperado em Moscou no domingo (10/12) ou na segunda (11/12), onde deverá encontrar-se com o presidente russo no Kremlin. A viagem traz a Rússia, adversária dos EUA, para dentro da crise na América do Sul.

O objetivo é simbólico, de mostrar apoio à ditadura de Caracas em meio a uma crise provocada pelo governo de Maduro, que no domingo (03/12) promoveu um plebiscito visando anexar a região guianense de Essequibo, que corresponde a 70% do território do país vizinho.

A área é disputada desde o século 19 pela Venezuela e há uma arbitragem determinada pela ONU sobre o caso, mas o interesse venezuelano cresceu após a descoberta de uma reserva quase equivalente à brasileira de petróleo no mar junto a seu litoral, em 2015. O início da exploração pela americana ExxonMobil, em 2019, tem se revertido em um aumento brutal no PIB da pequena Guiana.

Na terça (05/12), Maduro anunciou passos para anexar Essequibo, ao arrepio da lei internacional. Divulgou um novo mapa venezuelano, incorporando a região, nomeou um general como governador regional e disse que a petroleira estatal do seu país iria conceder licenças de exploração dos recursos do vizinho.

A retórica atende a necessidades eleitorais: Maduro enfrenta pressão para liberar a oposição para concorrer nas eleições presidenciais de 2024, e o baixo comparecimento (50% oficialmente) ao plebiscito demonstrou a necessidade de galvanizar apoio - e Essequibo é um tema que une até a oposição ao governo.

A Guiana, que é um nanico militar com apenas 3.400 soldados, denunciou a ilegalidade do movimento e se colocou em alerta total. Países da região, como o Brasil, instaram as partes a dialogar e evitar uma escalada. Os EUA, que já haviam tratado da crise com Georgetown antes do plebiscito, resolveram ser menos sutis.

Nesta quinta (07/12), Washington anunciou que patrocinou uma manobra militar na Guiana, com o sobrevoo de aeronaves pela região. Tudo foi divulgado pela diplomacia, não pelo Departamento de Defesa, dando o caráter de tiro de advertência ao movimento - que, de todo modo, acabou por ajudar o jogo retórico de Maduro.

Na Casa Branca, o porta-voz da área de segurança nacional, John Kirby, anunciou o "apoio inabalável" à soberania guianense. Agora é a vez de o ditador, munido do argumento dúbio sobre a interferência americana, dado que é ele quem quer tomar terra do vizinho, dar seu troco.

A visita do ditador em si já vinha sendo discutida desde o começo do ano, dado que a Venezuela tem relações próximas com a Rússia desde os anos de Hugo Chávez (1954-2013) no poder, quando o país virou grande cliente militar de Moscou. Mas o momento é outro.

Ela foi costurada em 16 de novembro pelo chanceler venezuelano, Yván Gil Pinto, que visitou seu colega Serguei Lavrov em Moscou. Àquela altura, contudo, o plebiscito já estava marcado. Ambos os diplomatas não tocaram no assunto na entrevista coletiva que concederam.

Nesta sexta, contudo, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia fez seu primeiro comentário sobre a crise, e foi apaziguador. Segundo a porta-voz Maria Zakharova, Moscou pede que tanto Venezuela, quanto Guiana, "se abstenham de ações em Essequibo que possam prejudicar as partes".

Putin não tem muito a perder, desde que fique na retórica. O líder russo, que confirmou nesta sexta (08/12) que irá disputar novamente a presidência no ano que vem, está desde a invasão da Ucrânia de 2022 em conflito aberto com o Ocidente, EUA à frente.

No passado, o Kremlin sinalizou apoio ao regime chavista enviando bombardeios estratégicos Tu-160, usados em ataques nucleares, para patrulhas na região, mas ficou nisso. A fala de Zakharova sugere um tom conciliador.

Diplomatas russos comentavam, na semana passada, que não haveria interesse de Moscou em uma guerra de fato - Putin já tem problemas demais na Ucrânia e, de forma secundária, com seus interesses no Oriente Médio devido à guerra entre Israel e o Hamas.

Por outro lado, ponderam aí militares brasileiros, um conflito regional no quintal estratégico dos EUA seria um diversionismo a se explorado por Moscou. O Exército, contudo, duvida que Maduro vá às vias de fato com a Guiana, apesar de ter uma força de 123 mil homens bem equipada com material russo, como caças Sukhoi Su-30, e chinês.

O motivo é justamente a possibilidade de um envolvimento norte-americano na crise. Há questões geográficas importantes: um assalto a Essequibo teria de ser anfíbio e aerotransportado, salvo na remota hipótese de Maduro querer entrar em guerra com o Brasil, usando o território de Roraima para cercar a região vizinha.

Isso seria necessário porque uma invasão por terra não seria possível pela mata fechada que caracteriza quase todo o território. Apesar do temor do governo brasileiro de Maduro fazer algo imprevisível, um conflito direto com o Brasil não está no radar do Itamaraty.

Pelo sim, pelo não, o governo Lula (PT) enviou o assessor Celso Amorim a Caracas para expressar suas reservas aos movimentos bélicos, e o presidente tem repetido que não aceitará guerra. A Defesa adiantou a expansão de suas forças em Boa Vista (RR), mas é algo demorado e mais simbólico.

A ampliação da crise para o palco da Guerra Fria 2.0 explicita as limitações do Brasil como líder regional. Para Lula, há ainda o agravante de a ditadura chavista ser aliada de primeira hora sua e do PT, dificultando o papel de mediador isento.

(Igor Gielow/Folhapress)