Jair Raso
Professor adjunto e secretário geral da Faculdade de Ciências
Médicas de Minas Gerais, neurocirurgião, dramaturgo e diretor teatral
Em junho de 2019, fui convidado pela Fundação Educacional Lucas Machado (Feluma) para ser o seu curador de arte e cultura. As obras para o Teatro Feluma tinham apenas começado. Na mesma época fui contratado como professor da cadeira optativa de Neurocirurgia do curso de medicina com o compromisso de ministrar outra matéria que ajudasse os alunos a desenvolverem suas soft skills, recomendação do MEC para cursos na área da saúde para desenvolver nos alunos habilidades de comunicação, empatia e compaixão. Foi assim que introduzi uma matéria inédita em currículos da área de saúde: Neurociência e artes cênicas aplicadas à saúde.
Em fevereiro de 2020, ofereci a matéria, optativa para todos os cursos da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais: medicina, enfermagem, psicologia e fisioterapia. O curso seria teórico/prático presencial, mas teve que ser adaptado para uma versão on-line, devido à pandemia, decretada em março daquele ano.
Em junho, após uma trégua do isolamento e o devido distanciamento, a primeira turma subiu ao palco do Teatro Feluma para o encerramento do curso, com apresentação de cenas curtas elaboradas e ensaiadas online. Desde então o curso é ministrado desde então, sendo também matéria optativa para novo curso de odontologia da Faculdade Ciências Médicas.
O conteúdo do curso nasceu de minha experiência com atores profissionais na montagem de peças de Teatro. Desde 2002, utilizo no meu trabalho de diretor teatral os conhecimentos oriundos da neurociência, concomitante ao método de Constantin Stanislaviski (1863-1938), célebre ator e diretor russo.
Da neurociência trago as descobertas relativamente recentes sobre a especialização dos hemisférios cerebrais, notadamente aquelas do hemisfério direito (HD), além de outros conhecimentos bem estabelecidos, tais como os mecanismos neurais da memória, da atenção e das emoções.
O objetivo era o de utilizar exercícios direcionados para estimular as funções do HD, no intuito de facilitar o trabalho dos atores na memorização de textos e ampliar sua criatividade.
Esse método já foi utilizado nos ensaios de oito peças teatrais, seis delas de minha autoria: "Três Mães" (2002), "A corda e o livro" (2004), "Julia e a memória do futuro" (2006), "DDD, deleite, depois delete" (2016), "Maio, antes que você me esqueça" (2020), "Uma passagem para dois" (2024). O método foi utilizado também nos ensaios de outras duas peças: "O Palco Iluminado" (2019), de Rogério Falabella, e "O Belo Indiferente" (2022), de Jean Cocteau. "O Palco Iluminado" foi a peça que marcou a estreia do Teatro Feluma.
Durante os ensaios foram utilizados exercícios para estimular as atividades de áreas do cérebro cuja dominância é atribuída ao HD. O objetivo era o de promover a plasticidade cerebral no intuito de facilitar o trabalho dos atores e aguçar sua criatividade.
Participaram das peças 15 artistas, sendo 10 homens e 5 mulheres, com idade variando de 20 a 84 anos. Um ator e uma atriz participaram de duas montagens: Marcelo do Vale, aos 21 e 43 anos ("Três mães" e "Uma Passagem para dois", respectivamente) e Juçara Costa aos 55 e 65 anos de idade (espetáculos "Julia e a memória do futuro", em 2006, e "DDD, deleite, depois delete", de 2016).
Na 50ª. Campanha de popularização do Teatro e da Dança de Belo Horizonte, participo com uma mostra de cinco trabalhos: "Uma passagem para dois", "Maio, antes que você me esqueça", "Julia e a memória do futuro", "O belo indiferente" e o musical "Chico Rosa".
Sigo ministrando as duas matérias na Faculdade Ciências Médicas, de forma alternada: no primeiro semestre, Neurociências e Artes Cênicas Aplicadas à Saúde; no segundo semestre, Tópicos em Neurocirurgia.
Unir neurociências e artes cênicas foi a forma que encontrei para conviver pacificamente com duas profissões tão distintas que abracei.
O corpo de conhecimento médico da Grécia antiga e o Teatro grego saíram do mesmo berço e foram fundamentais para nossa civilização. Por isso, costumo dizer que a neurociência é minha Grécia, onde o médico e o artista de teatro se reencontraram