O ano de 2024 foi o marco dos 100 anos de Hélio Pellegrino. Mineiro de Belo Horizonte, nascido em 5 de janeiro de 1924, ele era múltiplo: psicanalista, católico disciplinado, poeta, escritor, militante político e, como ele próprio se definia, um “socialista histórico, eventualmente histérico”. Era, acima de tudo, um homem de muitos amores, isto é, de muitos interesses – e, para tão longos amores, tão curta é a vida, conforme ele confessaria em entrevista a Clarice Lispector.

Não dá para falar de Hélio sem mencionar a sua amizade com Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Fernando Sabino. Eram os “quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse”, como viria a definir Otto, na década de oitenta. Amigos desde a juventude, quando se aproximaram através de João Etienne Filho, aprontaram – e muito – na Belo Horizonte da primeira metade do século passado. Consta, por exemplo, que, em uma visita do então arcebispo de BH ao jornal “O Diário”, onde trabalhavam Hélio e Otto, os dois o receberam bradando, em uníssono: “Morra dom Antônio dos Santos Cabral!”. Quase foram demitidos.

A política corria nas veias de Hélio. Participou muito jovem da UDN, quando o partido engatinhava. Desligou-se, por incompatibilidade ideológica, para fundar a Esquerda Democrática. Dirigiu, posteriormente, o Partido Socialista em Minas, tendo colaborado, mais tarde, com a fundação do PT.

Opositor da ditadura, Hélio teve papel de destaque na “Passeata dos Cem Mil”, em 68, no Rio de Janeiro, para onde havia se mudado com a família. Orador brilhante, incendiava as massas com os seus discursos, ao mesmo tempo que, aos sábados, recebia Nelson Rodrigues para almoçar em sua casa. Aliás, a amizade com o dramaturgo – um notório reaça – revelava uma das maiores qualidades de Hélio: a capacidade de ser radical sem ser sectário.

Preso em 69, mesmo sem jamais ter aderido à luta armada – como relatado por Frei Betto, no seu livro “Paraíso Perdido” –, foi solto alguns meses depois. Apesar de psicanalista, com formação em psiquiatria, tudo nele girava em torno da política. Da política e da poesia.

Não à toa, fez da psicanálise um campo de batalha. Denunciou Amílcar Lobo, que pretendia ser psicanalista, apesar das seriíssimas acusações de que, como médico, participara de sessões de tortura na ditadura. A denúncia rendeu não a Amílcar, mas a Hélio, a expulsão da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro.

Passeava com desenvoltura por Freud, Marx e Jesus. Tinha a explosão italiana no sangue, mas trazia a doçura de Minas no trato. Carregava no peito um coração imenso, acolhedor, mas de batidas descompassadas, às voltas com tanto excesso e intensidade. Pois foi justamente ele que lhe faltou na madrugada de 23 de março de 1988, numa clínica de Ipanema. Hélio estava morto.

O seu velório, no Rio, é bem a síntese da sua vida: uma multidão ao redor de sua figura. Gente de tudo quanto é canto foi se despedir de Hélio – eu, o seu neto, estava lá, com um ano e pouco, levado pelos meus pais, sem entender o que se passava.
Rubem Braga, que também estava lá, escreveu, numa de suas crônicas: “nunca vi tanta mulher bonita”.

(*) Antonio Pedro Pellegrino é procurador do Paraná