Ângela Mathylde Soares é neurocientista, neuropsicóloga e psicanalista
A saúde mental precisa ser constantemente trabalhada, e determinadas profissões lidam com diferentes tipos de demandas que reforçam ainda mais essa necessidade, como os profissionais da segurança pública, por estarem atuando frequentemente com ações que coloquem suas vidas em risco.
Pensando na necessidade desse grupo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, junto com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), anunciou uma iniciativa voltada à prevenção da saúde mental desses profissionais. Essa novidade coincidiu com a notícia de que dois sargentos da Polícia Militar de Minas Gerais teriam tirado suas vidas no mesmo dia, dentro de seus respectivos batalhões.
A expectativa é de que mais de 65 mil sessões de psicoterapia sejam realizadas, de maneira completamente online, com especialistas selecionados pela UFMG, ofertadas para policiais civis e militares, bombeiros e técnico-científicos, tornando-se parte do Programa Nacional de Qualidade de Vida para Profissionais da Segurança Pública (Pró-vida).
Existem diversos fatores que podem levar esses profissionais a desenvolver qualquer um dos problemas que atingem a saúde mental, e os principais seriam as longas jornadas de trabalho, os riscos ligados ao exercício da profissão, que coloca a vida dos envolvidos em perigo, a pressão sofrida por esses agentes, a constante vigilância, ameaças e até a possibilidade de causar a morte de alguém, assim como ver seus companheiros perderem a vida ou sofrerem um acidente que os impede de continuar atuando.
Dessa forma, torna-se relativamente comum ver essas pessoas lidando com sintomas de estresse, ansiedade, depressão e síndrome de burnout, em diferentes níveis, a ponto de influenciarem a maneira como trabalham e lidam com as pessoas ao seu redor.
Os efeitos do estresse e ansiedade são vistos por meio de sintomas como tensão muscular, dores de cabeça, insônia, queda da autoestima, aumento ou perda de peso, aquisição de atos compulsórios e vícios, dores de barriga, cansaço excessivo, irritabilidade, angústia, tontura, úlceras e até problemas de hipertensão, que podem culminar em infarto, acidente vascular cerebral, aneurisma, insuficiência renal e cardíaca.
A ansiedade não tratada tem potencial de levar à depressão, que, assim como o burnout, pode se tornar incapacitante, impedindo que essas pessoas sequer tenham condições de trabalhar e percam ânimo de fazer tarefas em que antes tinham prazer, além de lidarem com outras modificações psicológicas que influenciam toda a sua qualidade de vida.
É muito comum ver comentários sobre como, em determinadas ações policiais, os envolvidos parecem estar despreparados e até mesmo exibindo uma agressividade desnecessária e exagerada, e o motivo pode estar diretamente ligado ao estresse e à falta de cuidados com a saúde mental de cada um deles.
Apesar de trazer benefícios, o principal desafio dessa iniciativa parece ser o preconceito enraizado no pensamento de muitos desses profissionais, de que falar sobre saúde mental seria algo sem qualquer necessidade, uma frescura. É por esse motivo que as sessões estão sendo oferecidas online, para que não precisem se dirigir a um consultório, garantindo maior privacidade.
Os casos de automutilação e suicídios têm se tornado cada vez mais comuns. Para se ter ideia, no Rio Grande de Sul, dados da Brigada Militar mostram que os policiais têm maior tendência de tirar a vida do que perecer em confrontos. Já o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 mostra que esses números no país cresceram 55% entre 2020 e 2021, reforçando a importância da resolução, que busca reverter esse problema grave.
Sergipe, Rio Grande do Norte e Distrito Federal também oferecerão consultas, e a expectativa é que, em breve, outros Estados brasileiros também adotem a medida.