Laura Brito é advogada especialista em Direito de Família e das Sucessões

Ao abrir os portais de notícias em plena segunda-feira, deparei-me com a notícia de que a cantora Lexa tinha sofrido a perda de sua filha, nascida muito pré-matura em razão de um quadro de síndrome de Hellp, uma complicação grave da pré-eclâmpsia, a hipertensão arterial específica da gravidez.

Se você pensa que essa notícia deveria ser mantida na esfera íntima dessa família, eu quero te dizer que não podemos continuar escondendo as perdas gestacionais e perinatais como se elas fossem algo do que se envergonhar. É claro que ela poderia ter escolhido viver isso privadamente e teria que ser respeitada. Mas, se ela decidiu partilhar sua dor, serve que a gente lembre que o sofrimento materno de perder um filho antes que a gravidez venha a termo não pode ser invisibilizado.

A violência obstétrica é uma prática de profissionais da saúde em face de mulheres grávidas e puérperas de retirada de protagonismo, questionamento de sua sanidade, silenciamento e, com frequência, violação física e sexual. 

Essa espécie de violência de gênero é recorrente justamente porque a sociedade pressiona as mulheres para que não falem de suas angústias e sofrimentos na gravidez, no parto e na perda gestacional.

A filha de Lexa se chama Sofia e é assim que deve ser lembrada. No mundo dos fatos e do direito, ela foi uma pessoa completa. Nasceu, viveu, tem nome, certidão de nascimento e personalidade. Se não permaneceu entre nós, isso não a diminui.

Por isso que o tratamento de não nomear também é uma violência: ‘mãezinha’ ou ‘o bebê’. Esse comportamento proposital despe a pessoa de sua individualidade e não pode permanecer.

Movimentos como o Grupo Colcha, grupo de apoio a perda gestacional e neonatal sediado em Belo Horizonte, são essenciais para a conscientização da sociedade de que há formas validadas de dar voz a essa tristeza e que registros e memória são muito importantes nesses momentos. Daí a relevância das fotos publicadas pela cantora com o carimbo do pé de Sofia e da impressão que fizeram do cordão umbilical.

Precisamos reconhecer que não há uma escala universal do luto e que a mãe que perde seu bebê em qualquer momento merece ser ouvida, acolhida e respeitada. Exemplo disso foi a manifestação da Unidos da Tijuca, escola de samba em que Lexa é rainha da bateria. Em respeito à artista, não só ela não vai desfilar, como não será substituída, lembrando-a que ela é importante e que sua tristeza é coletiva.

Sinto-me pessoalmente acolhida ao ler a notícia. Penso que teria mudado minha atitude quando achei que era esperado de mim ir a uma reunião de trabalho ao sair do consultório depois de ter sofrido uma perda gestacional, como de fato fiz há oito anos. Afinal, eu nunca tinha lido no jornal que isso acontece e que as mães precisam ser respeitadas em seu luto nesse momento. Por isso, chegou a hora de ler.

É preciso agradecer às mulheres que falam, às famílias que acolhem e aos profissionais da saúde que respeitam. À Lexa e Sofia, uma grade e afetuoso abraço.