Bernardo Ribeiro é diplomata
O debate público alimentado pela internet e pelas redes sociais criou uma espécie de “palpitolândia” que hoje compele as pessoas a ter opinião ou escolher um lado em todo e qualquer assunto que toma as manchetes locais e mundiais. Uma situação que se agrava quando o tema tem características técnicas especializadas e que precisam ser cuidadas por pessoas devidamente capacitadas. A política internacional é um deles, com guerras e conflitos armados em especial.
Esse cenário proporcionou debates esdrúxulos de opinião pública sobre os conflitos mais recentes e que quase se parecem como se todos estivessem na arquibancada de um evento esportivo, obrigados a torcer por uma das equipes em disputa, com repórteres na entrada do estádio te obrigando a responder ao vivo, “Israel ou Irã?”. Mais grave que isso, somente aqueles que, além de escolher um lado de um conflito armado, o justificam e o defendem. Equívocos, por um motivo claro, porém pouco debatidos pela opinião pública.
O período que compreende a Primeira e a Segunda Guerra Mundial é nossa principal referência histórica de como um conflito armado se inicia e se resolve, e em um contexto de ausência quase completa de regimes e sistemas complexos de resolução de disputas, principalmente de manutenção da paz. Um cenário imensamente diferente do que há no sistema internacional de hoje, que, por sua vez, conta com um aparato robusto de política de gestão da paz e da estabilidade global que vão muito além da ONU e da diplomacia tradicional. São conglomerados de acordos multinível, tratados de regulação e até proibição de determinados tipos de armamentos e práticas militares, sistemas de transparência de dados e informações militares, compromissos multilaterais e plataformas robustas para resolução e mediação de disputas. O regime global de paz é um dos mais complexos regimes de gestão de agenda internacional que existem hoje no sistema, coisa que não havia no período bélico mais grave dos últimos dois séculos. E esse mesmo regime impediu tragédias globais no período da Guerra Fria.
Portanto, neste contexto, agressões materiais como as que temos acompanhado não se justificam diante de um sistema que promove uma multitude de oportunidades de resolução desarmada de disputas e ameaças. Isso também significa dizer que existe uma forma correta de lidar com essas situações, e estão equivocados todos aqueles que decidem agir de forma arbitrária, em total descaso com o regime internacional de manutenção da paz. As justificativas autorreferentes que os países dão à opinião pública ainda alienam as pessoas desse regime e acabam criando todo esse clima leviano de arquibancada quando dois ou mais países se agridem à revelia dos instrumentos estabelecidos de paz e resolução de conflitos.
Olhando para o bem, a “palpitolândia” também tem potencial de direcionar o debate para elementos construtivos e pode muito bem assumir a postura crítica de cobrar o respeito aos esquemas multilaterais que os próprios países criaram e que muitas vezes são ignorados sob a égide de interesses privados travestidos de interesse público. A confiança no esclarecimento daqueles que se especializam em estudar e operar esses regimes é fundamental para desmontar essa arquibancada e sensibilizar a opinião pública sobre por onde o debate deve passar de verdade.
Em uma situação de conflito armado, certos estão os que defendem a resolução pacífica por meio de seus vários instrumentos e condenam todas as agressões – e não somente uma ou outra –, independente de onde elas partem e como elas se justificam.