Ewerton Martins Ribeiro é escritor, mestre e doutor em literatura, servidor público federal e jornalista da UFMG
Quando o aterro sanitário de Belo Horizonte foi criado na fronteira da região Noroeste, na divisa da capital mineira com Contagem, o plano era que ele funcionasse por cerca de vinte anos. Inaugurado em 1975, esse nosso lixão (que em 1995 passou a ser denominado como Central de Tratamento de Resíduos Sólidos da BR-040, ou simplesmente CTRS) só foi desativado em dezembro de 2007, quando teria sido alcançada a cota altimétrica máxima das suas células de aterramento.
Ainda assim, esse encerramento ocorreu apenas oficialmente. Relatórios de gestão da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) comprovam que suas instalações seguiram em funcionamento não apenas até 2009, quando foi efetivamente realizada a terraplanagem e a cobertura vegetal de suas células desativadas, mas por vários anos mais.
Em 2013, por exemplo, ainda eram aterradas 197.852 toneladas de resíduos sólidos urbanos gerais por lá; em 2014, 88.645 toneladas; em 2015, 4.833 toneladas; em 2016, 12.410 toneladas. Os números demonstram como o encerramento de 2007 figurou mais como um discurso para o apaziguamento dos ânimos montanheses que qualquer outra coisa.
Esses mesmos relatórios, todos disponíveis nos repositórios do site da PBH, também fazem saber que, a partir de 2009 (época em que a área do aterro já compreendia um milhão de metros quadrados, com 650 mil metros quadrados tomados por resíduos aterrados), o espaço passou a receber praticamente toda a produção de resíduos comuns e infectantes dos serviços de saúde de Belo Horizonte.
Justamente naquele ano, os resíduos infectantes haviam passado a contar com uma coleta seletiva separada, ocasião em que também foi inaugurada uma estação de transbordo no aterro da nossa região. Ora, o que a ativação de uma estação de transbordo no ano de “encerramento” do aterro significava? Significava que, dali em diante, mesmo quando fosse ter outro destino, o lixo de Belo Horizonte seguiria passando antes pelos bairros de seu entorno para dar um alô, aventar seus humores, matar a saudade — nisso postergando indefinidamente as chances de se dar outra destinação àquele espaço e finalmente sanitarizar a vida dos moradores da região.
Foi o que ocorreu até pelo menos 2016, quando a unidade de transbordo foi encerrada. (Bem, ao menos oficialmente.)
Esse é o contexto em que, em 2010, 10.600 toneladas de resíduos de serviços de saúde foram levadas para o aterro da nossa região, seja para o aterramento por lá mesmo (no caso dos resíduos infectantes, em estrutura própria), seja para serem baldeadas para outro destino, via estação de transbordo (no caso dos resíduos não infectantes). Em 2011, essa destinação foi de 9.300 toneladas; em 2012, 46.500 toneladas; em 2013, cerca de 17 mil toneladas; em 2014, 9.041 toneladas; em 2015, 4.833 toneladas; em 2016, 2.774 toneladas.
Oficialmente, esse encaminhamento dos resíduos de serviços de saúde para o aterro teria sido encerrado também ali por 2017, mas não há clareza a respeito da destinação que vem sendo dada, desde então, para esses rejeitos (com a mudança de gestão, os dados posteriores a 2016 parecem ter sido deixados de ser disponibilizados em relatórios públicos). Além disso, essas células ainda não foram seladas em definitivo, e, após seu “encerramento”, o aterro acabou se tornando um destino oficial da prefeitura para o descarte dos resíduos de larga monta produzidos pela construção civil, o famoso entulho.
Conforme contabiliza o município, a estimativa é de que, do início de sua operação até o final de 2006, o aterro que separa o Pindorama e o Califórnia, impedindo os trânsitos comunitários, tenha acumulado cerca de 24 milhões de toneladas de lixo. Essa massa de resíduos (à qual ainda se somaram as milhares de toneladas depositadas e não tão claramente contabilizadas nos anos posteriores) compõe montanhas de taludes e bermas que alcançam uma variação de altitude de mais de sessenta metros.
Se considerados em relação à parte mais baixa do bairro, os cumes dos morros do aterro chegam ao dobro disso em altitude. E lá se vão cinco décadas do lixão junto ao povo da região, impactando suas vidas, quando o projeto previa que sua duração fosse de apenas duas décadas. Falo um pouco sobre o significado dessa experiência junto ao lixo no livro Pindorama, previsto para ser publicado pela coleção BH. A cidade de cada um ainda neste ano.
Além disso, com a diminuição da presença do poder público no terreno nos últimos tempos, um novo problema não tardou em aparecer: carroceiros começaram a transformar algumas das entradas secundárias do aterro em depósitos clandestinos de entulho e outros rejeitos, à moda do que ocorria nas periferias da cidade lá nos idos dos anos 1970, com a proliferação das bocas de lixo.
Hoje, na medida em que o carroceiro não consegue transpor a portaria para depositar oficialmente a sua carga lá dentro, ele acaba jogando tudo por ali mesmo. Era o caso, até alguns meses atrás, do último quarteirão da avenida Amintas Jacques de Morais, que veio convivendo com esse novo problema no decorrer dos últimos anos. Atualmente, a Prefeitura parece estar instalando pontos do programa de videomonitoramento Olho Vivo na região, na tentativa de afastar o problema.
Em 2007, a cidade de Sabará passou a sediar o novo aterro da capital mineira, o “aterro de Macaúbas”, para o horror e a justa revolta dos sabaraenses. Pense: uma cidade tornada responsável por fazer a depuração do lixo produzido por outra! Mais uma vez, o problema de um centro foi transferido para uma sua periferia.
O procedimento nunca muda: só mudam os diâmetros com seus limites que circunscrevem o que é considerado centro (e então o centro do centro, o centro do centro do centro...) e o que é entendido como externo a ele, a eles. Urge, portanto, não seguir aprimorando e expandindo o procedimento, mas mudar o próprio procedimento, encerrando o mal na origem.
Urge a cidade, institucionalmente, passar a tratar a produção de lixo, em vez de seguir tentando dar tratamento para o lixo já produzido. O relógio está contando.
O sonho do ‘Parque Taiobeiras’
Contam as memórias que, ainda na época da construção do aterro, o poder municipal firmou um compromisso público de, após o encerramento de suas atividades, previstas para durarem duas décadas, transformar a sua área em um parque. Além dos relatos orais a esse respeito, encontrei uma menção a esse compromisso feito naquela matéria do "Jornal de Casa" de 1978.
Nessa matéria, com base em entrevistas com representantes do poder público da época, afirmava-se que, “ao lado do bairro Pindorama, na BR-040, indo para o Ceasa, na saída do Padre Eustáquio, será construído um parque, dentro de 17 anos, quando a capacidade do aterro for esgotada”. Mais tarde, consultei no site da prefeitura um conjunto de documentos que realmente reestabeleceram, em anos recentes, o parque como um projeto presente nos arquivos fundos do município.
Em 2016, a secretaria de planejamento urbano realizou um diagnóstico em que delineou as diretrizes urbanísticas preliminares para a elaboração de um plano diretor para o aterro que viabilizasse a implementação do parque no terreno. Na ocasião, até mesmo um nome foi criado para o equipamento: “Parque Taiobeiras”.
Dois anos depois, em março de 2018, a equipe de comunicação social da prefeitura publicou um plano de comunicação com diretrizes relacionadas à implantação do parque. E, no mesmo ano, em maio, um completo plano de manejo para a CTRS, o aterro, foi publicado pela administração municipal, no qual a proposta era desdobrada.
Quando trombei com esses documentos, meus olhos brilharam. Será que o futuro da região finalmente andaria na direção de alguma compensação para os tantos anos que seus bairros ficaram responsáveis por fazer a depuração dos males produzidos pela capital? Ah, é claro que as coisas não seriam tão fáceis assim.
Publicado em agosto de 2019, o novo Plano Diretor de Belo Horizonte parece ter simplesmente ignorado a proposta do parque. Oficializado pela Lei n.º 11.181, ele até afirma que são princípios vinculados à proteção ambiental no município “a busca pela recuperação e manutenção de áreas verdes, criando novos parques e praças, visando à adequada apropriação desses espaços pela população e a sua participação na preservação desses” e “a qualificação de áreas vazias como áreas verdes”. Mas, apesar de tratar com especificidade de outras áreas ambientais da cidade, o plano não dá um pio sequer sobre o intuito de se transformar o aterro em um equipamento desse tipo.
Para o desavisado que lê o novo Plano Diretor de Belo Horizonte, documento que estabeleceu em 2019 (com vigência a partir de 2023) as diretrizes para o curto, o médio e o longo prazo da capital mineira, é como se esse projeto sequer existisse, apesar de remontar justamente ao triênio anterior da administração pública. Ora, a quem serve essa lacuna? Enquanto isso, o espaço vai sendo mirado pelos novos urubus de ocasião, que, voando na térmica, fazem toda sorte de especulações a respeito das possibilidades de usurpar aquele espaço, subtraindo da população local sua merecida compensação histórica.
Tudo, claro, ocorre em silêncio de rádio, no melhor interesse do capital especulativo montanhês...
Atualmente, na área do aterro, há ainda uma série de estruturas para o tratamento de resíduos, como compostagem, reciclagem de entulho e uma usina de biogás. Essa tem foco na captação, no tratamento e no aproveitamento energético dos gases produzidos pela decomposição do material aterrado.
Isso possibilita a recuperação do metano e o seu aproveitamento como combustível. Quem cuida dessa estrutura é a Companhia de Gás de Minas Gerais (Gasmig), subsidiária da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Além disso, o espaço funciona como unidade de recebimento de pneus, entre vários outros usos considerados oficialmente como “menores”.
Conforme de fato anota a PBH em seu site, o aterro é hoje a sede “do maior projeto mitigador de efeito estufa da cidade, com a produção de energia elétrica a partir do lixo”. Uma frase e tanto. Com efeito, há um particular interesse em consolidar o uso da maior e mais central parte do seu terreno por usinas focadas na produção de energia limpa.
Em 2018, a prefeitura abriu um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para interessados em empreender, no lugar, centrais geradoras de energia via células fotovoltaicas e via aproveitamento energético da biomassa dos resíduos dos desmatamentos promovidos pelo poder público nas vias públicas municipais. Vários grupos empresariais se interessaram por receber a concessão e tocar o negócio; ainda se está aguardando para ver aonde tudo isso vai dar.
Li toda a papelada sobre isso que pude encontrar. Pelo que pude entender, o projeto foi desenhado para que essa destinação seja concomitante e sinérgica com a existência do parque, inclusive ajudando-o a subsistir, pois exigirá que o capital também empregue recursos na construção de uma boa infraestrutura no local. Estamos falando de estacionamentos, acessos, iluminação, segurança para garantir a integridade das placas de captação solar etc.
Contudo, como talvez eu já pudesse prever, na relação de investimentos relacionados à instalação do empreendimento e à exploração do espaço, todos os investimentos relacionados à estruturação do local para o recebimento simultâneo de um parque urbano foram estabelecidos... como facultativos, em vez de obrigatórios. A quem interessa não ter se colocado essa contrapartida como uma obrigação?
Em face de tudo isso, o que preocupa é o grande complexo de forças objetivas e subjetivas que parecem estar sendo envidadas no sentido do desinteresse com o negócio do parque — o intuito de se postergar indefinidamente o início da efetiva construção do equipamento de lazer para, talvez, nesse meio-tempo, sabe-se lá que tipo de apropriação indevida ser engendrada no local. Lembremos: a previsão inicial do parque, como indica aquela reportagem de 1978 do finado Jornal de Casa, seria 1995!
Estamos falando, assim, de forças que vão do poder público municipal, em suas diferentes gestões (junto às suas tantas parcerias no poder financeiro privado regional), aos grandes atores da especulação imobiliária, que naturalmente também estão de olho naquele espaço. Pois bem: fiquemos também de olho.
Não fosse toda essa estrutura atuando contra a implantação do parque, ainda pesa contra o projeto o fato de que, para a sua mais pronta implantação, teria sido necessário o real encerramento das atividades de tratamento e baldeação de resíduos no local no prazo previsto. Ao contrário, do fim dos anos 2000 em diante, ao invés de ser fechado, o espaço passou a receber resíduos especializados, como mencionei, inclusive com a sobreposição das células que, anteriormente usadas para a destinação dos resíduos comuns, haviam sido supostamente encerradas. Isso fez com que a implantação do parque fosse sendo recorrentemente inviabilizada e lançada a um futuro indefinido.
Ao tratarem desse tema em seu projeto em 2016, os técnicos mobilizados pela prefeitura afirmaram que a configuração de sucessivos adiamentos no fechamento de células do aterro de fato “atrasa o horizonte de utilização destas células para programas relacionados ao parque”. Enquanto isso, o projeto segue em suspensão, e a pior prova disso surgiu nas eleições municipais de 2024, quando não houve um candidato a prefeito sequer a propor uma discussão pública sobre a destinação definitiva a ser dada para o antigo aterro sanitário de Belo Horizonte — nem mesmo os candidatos progressistas, que mantém algum espaço em suas plataformas políticas para a agenda ambiental.
Curiosamente, alguns meses antes, em junho de 2024, no Dia Mundial do Meio Ambiente, a Prefeitura de Belo Horizonte anunciou a realização de um concurso (!) para a implantação de um parque de oito hectares (cerca de 80 mil metros quadrados) no aterro. Estimado em algo em torno de R$ 10 milhões, o empreendimento, informou o município na ocasião, seria financiado com a ajuda da C40, rede global que articula grandes cidades do mundo no enfrentamento da crise climática.
Todavia, o anúncio da coisa se deu muito mais em tom publicitário que efetivamente programático, o que infelizmente tem sido cada vez mais a praxe. Nem cronogramas, nem planos de trabalho foram mencionados. E então, algumas semanas mais tarde, na época das eleições, o assunto voltou a ser completamente ignorado por todos as candidaturas — inclusive a que quatro meses antes havia feito o anúncio e ganhou a eleição.
Para todos os efeitos, o parque da Noroeste segue sendo um “não assunto” no debate citadino. Urge mudar esse cenário.
Vista aérea do aterro, onde há projeto de construção de um parque ecológico (Foto PBH/Divulgação)
O projeto do parque
Mas como seria esse parque?
Produzido por uma equipe técnica multidisciplinar formada por engenheiro, geóloga, arquitetos, geógrafos e urbanistas, o projeto do Parque Taiobeiras veio a público em 2016. Ele faz saber que, “em função do lento processo de estabilização dos taludes do aterro e de recomposição da vegetação e do habitat local, o Plano Diretor deverá ser elaborado tendo em conta uma implantação gradual, mirando o longo prazo e a adaptabilidade do espaço”.
Com razão, os técnicos sugeriram que o equipamento fosse desenvolvido não como um “projeto fechado, com um estado final a ser alcançado ao fim de um determinado período, mas como um processo aberto e evolutivo, capaz de se adaptar às dinâmicas socioespaciais que vierem a ocorrer no entorno e nos tipos de apropriação que vierem a ser concretizadas com sucesso no novo parque”. Em 2018, no citado plano de comunicação da prefeitura, os técnicos complementaram que “a estratégia de implantação buscará ocupar, primeiramente, as áreas nas bordas do parque, crescendo de fora para dentro.”
A inspiração para essa implantação gradativa teria vindo, entre outros, do Freshkills, parque que está sendo construído em Nova Iorque desde 2006, sobre o antigo aterro sanitário de lá. Em razão do porte dessa construção (o parque cobrirá uma área de quase nove vezes o aterro de Belo Horizonte), o Freshkills está previso para ser concluído apenas daqui a trinta anos.
Apesar disso, ele já segue funcionando parcialmente, e sempre em desenvolvimento, sempre melhorando, aumentando, tudo dentro de um adaptável projeto pré-determinado. Essa era a proposta para o parque do nosso aterro, que se situa entre mais de uma dezena de bairros, que compõem uma região onde residem cerca de 70 mil pessoas, se consideramos um perímetro de até um quilômetro de suas fronteiras.
Setenta mil pessoas! Isso corresponde a uma cidade brasileira de porte médio! Noventa por cento dos municípios mineiros tem menos gente que isso. Então seria mesmo um equipamento capaz de atender a um mundaréu de gente. Mudar a vida das pessoas, realmente. Além disso, o parque colaboraria para a solução de um dos problemas históricos da região, que é a falta de ligação entre os logradouros do entorno, que resulta de suas várias ruas sem saída, e entre os bairros de cá com os bairros de lá.
Com isso em vista, em 2016, o projeto do Parque Taiobeiras estabeleceu diretrizes de curto (cinco anos), médio (doze) e longo (vinte) prazos para a consolidação do equipamento. Entre as diretrizes de curto prazo, previa-se, entre outras coisas, a transformação imediata do equipamento em uma conexão do modal não-motorizado, abrindo-se já o lugar para o atravessamento de ciclistas e pedestres. A isso se seguiriam intervenções urbanísticas pontuais, de modo a o espaço já começar a ser apropriado pela população, gradativamente.
Para isso, seriam utilizadas as próprias vias de serviço já existentes no local, de forma a nem se causar muito drama para o disputado orçamento municipal. Mas nada parece ter sido feito nesse sentido, apesar de o arco desses primeiros cinco anos já ter sido superado. (Hoje o acesso ao aterro continua oficialmente fechado, mas algumas pessoas, impacientes, já o têm usado informalmente para fazer caminhadas, apesar da ocupação concomitante de outras pessoas para o uso de drogas).
Já para o médio e o longo prazos, previa-se, a partir dessa requalificação e abertura do terreno, a realização do prolongamento da avenida Amintas Jacques de Morais (a principal via que liga os bairros da região à Pampulha) pela margem direita do terreno do aterro, interligando a via à BR-040 pelos contornos do Pindorama. O projeto dessa via, originalmente denominada como “via 700”, foi desenhado pela primeira vez em 2008, no âmbito do Programa de Estruturação Viária de Belo Horizonte, o Viurbs.
No plano de manejo publicado em 2018, esses prazos foram redistribuídos em quatro ciclos: imediato (um ano), curto (cinco), médio (dez anos) e longo (vinte). Contudo, já adentramos o ciclo do médio prazo e seguimos com nada tendo sido feito, no sentido de o espaço efetivamente se facultar ao acesso público. Enquanto isso, os novos urubus de ocasião...
Mais que o cumprimento de um compromisso, a construção desse equipamento público é uma necessidade de toda a região, onde as áreas verdes hoje “são escassas e pontuais”, conforme anotam os técnicos que analisaram a questão. Trata-se de um problema de predominância local, mas que se dissemina por toda a regional. “A regional Noroeste apresenta elevada carência de novas áreas verdes ou melhoria da qualidade ambiental. Esta característica é bastante evidente ao longo dos principais corredores viários da regional, mas constitui-se uma marca de praticamente todo seu território”, escreve-se naquele projeto de 2016.
Já sobre os bairros situados no entorno do aterro, os especialistas anotam: “Não existe, nos bairros analisados, nenhum parque ou área verde com acesso ao público, e a maioria das praças são, na verdade, pequenos espaços remanescentes do sistema viário, localizadas na confluência de duas ruas ou sob a forma de rotatórias, com pouca arborização e estrutura precária.”
De fato, a distribuição desses equipamentos públicos por nossa cidade segue ainda hoje extremamente desigual. Dos 77 parques oficiais de Belo Horizonte, apenas um fica na região Noroeste — um parque bem pequeno, escondido no meio do bairro Caiçara, que pouco se mostra capaz de contribuir para equilíbrio ambiental da região ou como um efetivo espaço de lazer para a população local.
Para efeito de comparação, vinte desses 77 parques estão na região Centro-sul. Os demais se distribuem assim: 16 na regional Nordeste, 14 na Pampulha, 11 na regional Oeste, 5 em Venda Nova, 5 na regional Norte, 4 no Barreiro e 1 na regional Leste, a irmã da Noroeste no abandono ambiental.
No Brasil, enquanto cidades inteiras fritam em calor, batendo recordes históricos de temperatura, como foi o caso de Belo Horizonte nestes últimos anos, outras se inundam terrivelmente, levando à morte centenas de pessoas. Escrevo esta série de artigos ainda sob a lembrança da tragédia das centenas de municípios do Rio Grande do Sul. São os efeitos da crise climática, que serão cada vez mais experimentados, infelizmente.
Dado o risco que toda essa transformação dos ciclos climáticos da Terra apresenta para a nossa existência, o mundo todo (bem, ao menos o mundo não negacionista) tem voltado suas atenções para a necessidade de nos dedicarmos à preservação e à recuperação ambiental sem concessões. Um grande e iluminado parque com mirantes, pois, além de campos de futebol reformados, pistas de skate, circuitos de caminhada, trilhas ecológicas, academias a céu aberto, playgrounds, praças de esportes, nascentes variadas, ciclovias, viveiros, hortas comunitárias e até mesmo uma lagoa (que já existe no local, circundada por uma densa mata preservada): é isso que Belo Horizonte precisa — urgentemente.
Que estes textos integrem a pedra fundamental de um novo engajamento social em torno desse projeto e da cobrança para que a Prefeitura cumpra o compromisso feito com os belo-horizontinos do passado — e faça um compromisso com o futuro dos seus descendentes. Isto é: para que haja mesmo um futuro a se usufruir e fruir.
1º artigo da série: 50 anos do aterro sanitário de Belo Horizonte
2º artigo da série: Da conurbação à emergência da favela: o caso do Pindorama