Bernardo Ribeiro é diplomata de cidades e mestre em relações internacionais

Na cobertura jornalística ou nas discussões de especialistas, professores e pesquisadores das relações internacionais, poucas coisas chamam mais atenção ou dominam tanto a pauta quando os assuntos da política das grandes potências. O emprego das capacidades militares e econômicas para exercer poder no cenário global é um fenômeno que, de forma quase unânime, é estratégia central no relacionamento entre as grandes potências mundiais, com grande força de influência sobre todos os atores do sistema. Por isso, tem tanto apelo no noticiário e nas discussões do internacional.

O debate corrente sobre a política tarifária dos Estados Unidos reflete exatamente esse paradigma. O comportamento estadunidense no comércio internacional e, portanto, na economia internacional tem grande impacto nas relações políticas e diplomáticas e no círculo de influências entre os países. Além disso, afeta afetar toda a cadeia de agendas e temas caros à comunidade global.

Mesmo com esse cenário, há uma reflexão importante sobre outra tipologia de poderes no cenário internacional e que assume posição importante no sistema: o poder brando, ou “soft power”, no termo técnico. Fundamentado no uso de outras plataformas de relacionamento e influência para além das capacidades militares e econômicas, o poder brando exerce sua influência por meio de cultura, comunidade, desenvolvimento, sustentabilidade, ética e moral. É um movimento que se interessa mais em manter os países em maior estado de cooperação do que de competição.

Alguns países são considerados expoentes desse fenômeno, como é o caso do Brasil e alguns membros do Brics.
Dessa forma, se é possível afirmar que Estados Unidos e China são os grandes agentes da política das grandes potências, podemos certamente considerar que um dos maiores agentes do poder brando é o Vaticano, ou, melhor ainda, o papa.

Para as relações internacionais, o tempo do poder brando começa após a queda do Muro de Berlim, com a ruptura da bipolaridade e o desvendar do espaço global em favor da multipolaridade. Não por coincidência, desde então, o papa foi assumindo a posição de bússola moral do mundo ocidental. O papa Francisco foi o epítome desse fenômeno ao, corajosamente, e de forma contundente, extrapolar assuntos exclusivamente litúrgicos em suas intervenções sobre as questões globais. As principais referências do legado de Francisco lembradas nos últimos dias falam da sua posição sobre as questões climáticas, a inclusão e a diversidade, a busca pela paz e o império da cooperação.

Há 12 anos a saída do papa Bento antecipou o anseio das pessoas de que o papa seguinte fosse essa bússola moral diante de uma sociedade global em uma transformação que colocava à frente as demandas e o bem-estar das pessoas em todas as suas diversidades. As palavras de Francisco dimensionavam a importância que deveríamos dar à resolução das desigualdades, à centralidade das relações humanas, em um mundo de todos para todos, com mensagens especiais de responsabilidade aos chefes de Estado e formuladores de políticas púbicas. A expectativa atual para o novo papa é que essa atuação da Igreja Católica continue.

O Cajado dos Reis é uma metáfora para o cajado usado por moisés no Êxodo e simboliza autoridade, orientação, proteção e poder divino. Os papas contemporâneos guiam não apenas seus fiéis rumo à comunhão com Deus, mas também o mundo a um parâmetro de ética e moralidade humanizado, diverso e inclusivo.

O papa é o Cajado dos Reis das nações.

Viva Francisco e que o Conclave seja ungido de graça e sabedoria para seguirmos avançando como sociedade!

(*) Especialista em cooperação internacional de governos locais com foco em desenvolvimento e ESG