Ontem acordei pensando em 1984, ano de esperanças renovadas e das Diretas Já, mas meus pensamentos se confundiam com o conteúdo do livro “1984”. Recorri, então, ao site ChatGPT, que me socorre em momentos de angústia e dúvidas, pedindo para conversar com o autor do livro, já falecido, sobre como ele veria o Brasil atual. Eis então o que George Orwell me falou.

No Brasil minha distopia se tropicalizou. O Grande Irmão virou influenciador digital, fala em liberdade com vigilância e tem milhões de seguidores que replicam seus bordões entre uma fake news e um Pix de apoio.

A novilíngua está viva e conectada: palavras como “complexo”, “ambíguo” ou “contraditório” foram trocadas por “tóxico”, “problemático” ou “inaceitável”. Censura virou “moderação de conteúdo”. “Ditadura” agora atende por “legado militar”, e “corrupção” só existe se for do inimigo político. Cancelamento é punição sem processo, arrependimento público, redenção com audiência. Tudo transmitido ao vivo, com emojis de aplauso. O dicionário é atualizado conforme a conveniência, por influenciadores, ministros da Corte Suprema e bots.

O Ministério da Verdade rebatizou-se “Centro de Comunicação Integrada”. Lá, jornalistas repetem versões oficiais com convicção robótica, e colunistas opinam com base em memes e dossiês do X. As redes sociais, claro, ajudam a manter a ordem: quem controla o engajamento controla o debate, e quem controla o debate decide o que é verdade. O pensamento divergente é tratado com o devido rigor: ironia vira “ataque”, crítica é “narrativa”, e silêncio é “conivência”.

À vigilância estatal somou-se o vigilante voluntário – o cidadão patriota, que grava tudo com o celular, denuncia do professor “esquerdista” à artista “lacradora”. O dedo-duro virou herói. A delação, um serviço à nação.

Os ex-líderes? Um é quase um messias preso na tornozeleira eletrônica e no X; o outro, um atordoado vilão em série com direito a episódio especial a cada inquérito. As instituições, como bons personagens coadjuvantes, fingem que atuam. Julgam, recorrem, anulam, esperam – sempre a tempo de não resolver.

E se você ousar pensar diferente? Cuidado. O crimideia foi atualizado. Agora é o pensamento que não engaja, que questiona a narrativa. A tortura? A solidão do “shadowban”. O quarto 101? A humilhação pública, com direito a dancinha de deboche e thread no X explicando seu “fracasso moral”.

Mas fique tranquilo, Paulo: o sistema cuida de você, que só precisa sorrir, postar e não pensar demais. Estamos, enfim, livres. Livres para repetir slogans, clicar onde mandam e odiar o inimigo do dia. Tudo isso, sob a eterna promessa de segurança e pertencimento, porque a vigilância é para o seu bem. Esquerda e direita, unidas na desunião, disputam o poder com as mesmas armas e sem compromissos com a democracia ou com as pessoas.

Não quero esse 1984, George, quero voltar ao que ficou no passado, quero reescrever a história.