Marcos Camilo é CEO da Pulse Capital, executivo de finanças e advogado empresarial

O Brasil entrou definitivamente na era da sucessão patrimonial. Com projeções que indicam uma transferência de quase US$ 9 trilhões em ativos até 2040, o país se consolida como um dos maiores mercados do mundo no que diz respeito à transição intergeracional de riqueza, respondendo por mais de 10% do total global.

Segundo a consultoria internacional Cerulli Associates, US$ 84,4 trilhões em ativos serão transferidos no mundo até 2045, sendo US$ 72,6 trilhões destinados a herdeiros e U$ 11,9 trilhões doados a instituições de caridade. Mais de US$ 53 trilhões virão das famílias da geração baby boomer, o que representa 63% de todas as transferências, enquanto famílias da geração silenciosa e mais velhas devem transferir outros US$ 15,8 trilhões, sobretudo na próxima década. O dado mais impressionante talvez seja este: U$ 35,8 trilhões (42% do total) virão de famílias de alto e ultra-alto patrimônio, que representam apenas 1,5% das famílias no mundo.

Mas, ao contrário do que muitos imaginam, esse movimento não é restrito a grandes grupos empresariais. No Brasil, o principal motor da sucessão é o envelhecimento populacional. O número de pessoas com mais de 75 anos já é o dobro do registrado no México, por exemplo, o que reforça a urgência de discutir o tema de forma estruturada. Além disso, o perfil do novo detentor de capital é cada vez mais diverso: profissionais liberais, gestores de ativos, empresários de primeira geração e herdeiros que, muitas vezes, não têm familiaridade com governança patrimonial ou com os mecanismos legais disponíveis.

Essa pluralidade de perfis e patrimônios torna o planejamento sucessório mais complexo e desafiador. Não basta dividir ativos ou nomear herdeiros. É preciso lidar com aspectos tributários, jurídicos, emocionais e operacionais. A ausência de planejamento abre espaço para disputas interpessoais, perda de eficiência fiscal e, em muitos casos, desorganização completa do patrimônio familiar.

A situação se agrava em um contexto em transformação. No Brasil, reformas tributárias em curso, novas jurisprudências sobre heranças e mudanças nas regras de tributação internacional tornam o timing do planejamento ainda mais estratégico. Estruturas improvisadas ou criadas às pressas, muitas vezes em momentos de crise, raramente entregam bons resultados. No entanto, muitos brasileiros ainda evitam tratar do tema por receio ou tabu. Falar de herança é, para muitos, sinônimo de lidar com a morte, quando, na verdade, deveria ser encarado como um ato de cuidado, proteção e continuidade.

Planejar a sucessão não é um privilégio reservado às grandes fortunas. É uma necessidade para qualquer pessoa que deseje preservar o que construiu e garantir que seus bens sirvam de apoio, e não de conflito, às gerações futuras. Doações em vida, testamentos, constituição de holdings familiares, uso estratégico de previdência privada e seguros são ferramentas que podem e devem ser consideradas com orientação especializada.

Com o avanço das demandas fiscais e a crescente pressão regulatória, as empresas que dominarem técnicas de estruturação patrimonial e planejamento sucessório serão fundamentais. De acordo com o levantamento da Cerulli, entre famílias de alto patrimônio nos Estados Unidos, os instrumentos mais usados para eficiência tributária são: trusts doadores (77%), trusts de acesso vitalício conjugal (54%) e doações estratégicas (46%). Esses dados refletem a sofisticação que se espera de gestores de patrimônio, uma realidade que também se impõe no Brasil.

Além dos aspectos legais e fiscais, a sucessão também transforma a dinâmica familiar e os modelos de relacionamento com serviços financeiros. O perfil dos herdeiros muda, assim como suas expectativas, seu engajamento e sua visão sobre legado. Isso exige das instituições uma adaptação de seus modelos de negócio, com escuta ativa, educação financeira e soluções multigeracionais.

A era da grande sucessão já começou silenciosa, mas inevitável. Adiar essa conversa é um risco, não uma prudência. As famílias que entenderem esse momento como uma oportunidade, e não como um problema, terão melhores condições de preservar seu patrimônio, fortalecer seus laços e perpetuar valores. Sucessão não é sobre morte. É sobre legado e futuro. E o futuro não espera.