A proposta de tarifa zero no transporte coletivo de Belo Horizonte parece boa à primeira vista. Mas, analisada com seriedade, ela se revela uma bomba fiscal disfarçada de política social. O projeto transfere a conta para quem já sustenta a cidade – os empregadores – sem resolver nenhum dos problemas estruturais do sistema de ônibus. Pior: pode tornar o serviço ainda mais ineficiente.

Taxa travestida de imposto e ilegal

A chamada “taxa do transporte público” prevista no projeto é, na prática, um imposto disfarçado. Vai atingir empresas com mais de dez funcionários, já considerando que os empregadores fornecem vale-transporte aos seus empregados. Isso fere um princípio básico do direito tributário: só pode ser cobrado de quem tem vínculo direto com o serviço. Essa distorção jurídica abre espaço para uma avalanche de ações judiciais. Não é exagero: outras cidades já enfrentaram esse tipo de problema, e BH vai pelo mesmo caminho.

O discurso de que “as empresas vão pagar” ignora um detalhe importante: empresas não produzem dinheiro do nada. Elas repassam custos para preços, salários, empregos. O resultado é que cidadãos que sequer usam transporte coletivo acabarão pagando por ele indiretamente – em bens, serviços e oportunidades reduzidas. Ou seja: você pode continuar usando carro, bicicleta ou trabalhar em home office, mas ainda assim vai pagar por um serviço que não consome.

Mais usuários, menos qualidade

Gratuidade atrai mais usuários. Parece positivo? Só se o sistema estiver pronto para isso. E o de BH está longe disso. A frota é insuficiente, as linhas são mal planejadas, e o modelo atual já é alvo de críticas severas por parte dos próprios passageiros. O que acontece se a demanda subir de forma brusca sem reforço de ônibus, sem melhorias em corredores, sem mais motoristas? O colapso. E é isso que se desenha. A tarifa zero, do jeito que está sendo proposta, não vem com nenhuma garantia de melhoria operacional. É empurrar mais gente para dentro de um sistema que já está no limite.

O problema real é gestão, não tarifa. O transporte coletivo de BH precisa de reestruturação, fiscalização e investimentos – não de maquiagem. Criar gratuidade sem arrumar o que está quebrado é irresponsável. Coloca pressão adicional no sistema, afasta o setor produtivo e empurra a cidade para uma crise de mobilidade ainda maior. Não há metas claras nem transparência sobre como os recursos seriam aplicados. Só há pressa política e marketing de curto prazo.

Conclusão: mais um atalho que leva ao caos

A tarifa zero é vendida como solução social, mas esconde um modelo maldesenhado, injusto e juridicamente frágil. A população mais pobre precisa de transporte coletivo de qualidade, e não apenas gratuito. O que está em jogo não é o preço da passagem, mas a capacidade de se locomover com dignidade. E essa capacidade depende de um sistema funcional – algo que essa proposta, infelizmente, não garante.

A conta vai chegar e será dividida entre quem não usa ônibus, quem emprega e quem depende de um transporte que tende a piorar. A cidade não pode cair nesse engodo. BH merece soluções sérias – não promessas fáceis.