Bernardo Ribeiro é diplomata de governos locais e mestre em relações internacionais

No início de toda a conversa de Trump sobre tarifas de importação para a economia norte-americana, o jornal “The New York Times” publicou um artigo certeiro. Nas chamadas do texto diziam que, para saber como os EUA seriam com a política de tarifas internacionais de Trump, bastava olhar para o Brasil.

O que é uma novidade para a política econômica norte-americana faz parte das principais doutrinas macroeconômicas de países emergentes, especialmente consagrados pela América Latina por meio da Cepal. Há uma série de princípios importantes que fazem parte da história da economia latino-americana, muitos deles impulsionados pelo Brasil. O fortalecimento da indústria nacional, a nacionalização de indústrias de bens de consumo duráveis, as inúmeras fases de políticas de substituições de importações, o vai e vem de flexibilização e endurecimento tributário operando a balança comercial são apenas alguns deles. Todos, sem exceção e nos mais variados graus, são ou foram imperativos da economia brasileira em muitas fases de toda a sua história.

O Brasil é um país que foi sendo construído com diversas variantes de políticas de tarifas de importação, considerando como premissa básica a difícil tarefa de tornar o mercado nacional competitivo frente a empresas estrangeiras em um cenário de economia e sociedade em desenvolvimento tardio. A indústria automobilística nacional foi construída com esse alicerce, e mais recentemente vimos o freio às importações dos marketplaces chineses com a “taxa das blusinhas”, que quer proteger o varejo nacional.

Como pimenta nos olhos dos outros é refresco, a longa história de luta pela competitividade brasileira por meio dos impostos de importação incomoda de forma transitória e até movimenta certos padrões de consumo. Muita gente se lembra da era em que importados eram itens de alto luxo e da era em que o relaxamento tributário inundou o país de produtos chineses de baixa qualidade, que inclusive quebraram algumas empresas brasileiras. Além disso, a cobrança de tributos de importação no Brasil sempre foi um valor central para o equilíbrio da nossa balança comercial, tornando nossa economia altamente dependente disso.

Não é possível dizer, contudo, que isso justifique essa política por parte do governo Trump. Afinal de contas, como entende a Cepal, taxação de importados deve caminhar no sentido de uma política de substituição de importações, fomentando a produção, oferta e consumo local dos produtos outrora estrangeiros, fortalecendo o desenvolvimento econômico nacional. A queda da competitividade histórica da indústria norte-americana diante do crescimento chinês não se compara com a fragilidade de setores econômicos de países pobres e emergentes. Além disso, em um sistema econômico global tão complexo quanto o que temos hoje, que inclui grandes empresas que não mais se encerram em um único mercado, essa injustiça da competitividade internacional que sofrem os EUA e Trump ataca é difícil de se verificar concretamente; e o livre mercado deveria dar conta dela.

O brasileiro sempre conviveu com impostos de importação, desde os maiores até os menores. Pagamos para compras fora da taxa de isenção em viagens internacionais, pagamos nas compras internacionais online, as empresas pagam na importação de peças e insumos, está em todo lugar. Tudo isso em favor da proteção da competitividade da economia nacional, mas ainda não há consenso sobre se tem dado certo. O mesmo prega Trump. Mas será que no caso deles cola?