Ana Paula Siqueira é deputada estadual e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de MG
Neste mês, a Lei Maria da Penha completou 19 anos. Uma lei que salvou muitas vidas, mas que ainda precisa sair do papel para chegar onde as mulheres vivem, e onde muitas seguem morrendo.
Antes mesmo do aniversário da lei, em menos de uma semana duas tragédias escancararam o que ainda enfrentamos: Juliana Garcia dos Santos, espancada com 61 socos em 30 segundos dentro de um elevador; Soraya Tatiana Bonfim França, estrangulada pelo próprio filho e jogada de um viaduto. Casos extremos, sim, mas não isolados. Eles nos dizem, com brutalidade, que falar sobre a violência contra a mulher é uma urgência permanente.
Agosto Lilás
Agosto avança com o peito apertado e a consciência em alerta. Eu sou deputada. Sou mulher. Sou negra. Sou mãe atípica. Sou assistente social. E antes mesmo de chegar à Assembleia, já carregava comigo marcas e memórias das violências que nós sofremos todos os dias, desde cedo.
Essa não é uma pauta que me atravessou só pelo estudo ou pelos dados. É uma pauta que me formou como figura pública. Que me convocou, desde o início do primeiro mandato, a lutar com seriedade por cada mulher que ainda carrega medo no olhar, silêncio na garganta e dúvidas sobre a própria dignidade.
Protocolo de atendimento
Na presidência da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, a cada audiência, eu escuto histórias que parecem diferentes, mas têm a mesma raiz: a ausência do Estado, o despreparo dos serviços e a dor que se repete. Nesta semana, realizamos uma audiência importante, com um tema que pode parecer técnico, mas que faz toda a diferença: os protocolos de atendimento às mulheres em situação de violência.
Ter um protocolo não é burocracia. É o que garante que, ao chegar em um posto de saúde, em uma delegacia ou em um centro de assistência social, a mulher seja acolhida com respeito, sem julgamentos, e receba as orientações certas, no tempo certo.
A rede precisa funcionar. Quem procura ajuda não pode sofrer revitimização, ser mal acolhida, desacreditada. Eu já fui essa profissional da ponta, que atende, que ouve, que chora escondido depois do plantão. Hoje, estou em outra trincheira, mas a dor que escuto é a mesma.
Desde o meu primeiro dia na Assembleia Legislativa, trabalho para criar políticas públicas que transformem essa realidade. Foi com esse compromisso que construí, em 2020, a lei que criou o banco de empregos para mulheres em situação de violência. Porque sem renda e sem independência financeira, não há liberdade, e o ciclo se repete.
Conhecimento e segurança
Em 2022, propus e aprovei uma lei que leva conhecimentos básicos da Lei Maria da Penha para dentro das escolas. Não pra cumprir protocolo. Mas porque sei, como mãe e educadora, que é ali, com os meninos, que a gente pode interromper a reprodução do machismo e da violência antes que esses comportamentos sejam aprendidos. Não dá para falar em futuro se a gente não conversar com quem vai construí-lo.
Agosto Lilás não é um mês de campanha. É um mês de compromisso. E meu compromisso é com as nossas vidas, com a vida de todas as mulheres. Pobres ou ricas, privilegiadas ou não. As que moram nas periferias, nas regiões rurais, nos quilombos, nos centros urbanos. As que tiveram a coragem de denunciar e as que ainda não podem usar suas próprias vozes para pedir ajuda.
A violência contra a mulher não é tragédia pessoal. É um fracasso social. E enquanto houver uma de nós com medo de viver, a minha luta continua.