Alê Portela é secretária de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais

O Brasil vive hoje um momento de profunda cisão institucional e social. O que deveria ser a expressão máxima da Justiça tem se transformado, em larga medida, em instrumento de perseguição política, seletividade penal e enfraquecimento das garantias fundamentais. Os acontecimentos envolvendo os réus do dia 8 de janeiro são o retrato mais simbólico desse processo: cidadãos transformados em reféns de um sistema que abandonou a isonomia jurídica em nome de uma agenda ideológica.

Os presos do 8 de janeiro, muitos dos quais sem antecedentes, sem provas de envolvimento direto com vandalismo ou violência, permanecem privados de liberdade há mais tempo do que muitos homicidas confessos no país. Isso não é Justiça. Isso é vingança travestida de legalidade. O que se observa é a prática de um “Apartheid Judicial”, em que a interpretação da legislação varia conforme o viés político do acusado, em clara afronta ao princípio da igualdade previsto no artigo 5º da Constituição Federal.

Seletividade se torna a regra

Essa lógica perversa, mantida com o aval do próprio Poder Judiciário e com a conivência de setores da imprensa, da intelectualidade e da classe política, está escalando tensões e agravando um cenário de radicalização. Não há democracia sólida na qual o Judiciário escolhe a quem a lei deve alcançar com mais ou menos rigor. Quando a seletividade se torna a regra, o Estado de Direito vira apenas uma fachada.

O país não suporta mais conviver com essa dualidade de tratamento judicial. Os efeitos provocados são nefastos: multiplicação da polarização, descrença generalizada nas instituições, e o sentimento, cada vez mais forte, de que a Justiça virou parte do jogo político – não mais seu árbitro imparcial.

Direitos humanos

Além disso, não se podem ignorar as graves violações de direitos humanos e de garantias fundamentais que têm sido perpetradas: prisões preventivas prolongadas e sem justificativa concreta, cerceamento do direito de defesa, processos conduzidos fora das regras do devido trâmite legal e decisões proferidas por autoridades que atuam simultaneamente como vítimas, acusadores e julgadores. Esses fatos não apenas ferem a legalidade, mas criam precedentes perigosos, antijurídicos e que podem ser replicados no futuro contra qualquer cidadão, de qualquer espectro político.

Esse é um caminho sem volta: ao abrir mão do direito em nome de narrativas, o Brasil flerta com a politização definitiva da democracia. E uma democracia politizada nos tribunais é uma democracia que deixa de existir. É urgente, portanto, colocar um ponto final nessa perseguição deliberada. É preciso restaurar o equilíbrio institucional, garantir a liberdade daqueles que foram presos sem justificativa sólida e restabelecer os limites constitucionais que foram ultrapassados com espantosa naturalidade.

Em tempos sombrios, defender o óbvio – que todos são iguais perante a lei – é, paradoxalmente, um ato de coragem.

(*) Advogada, professora, mestre em Direito e deputada estadual