Opinião

A constitucionalidade da lista suja do trabalho escravo

Divulgação de nomes de empresas infratoras é legal

Por Laura Ferreira Diamantino Tostes*
Publicado em 23 de novembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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A Constituição, no artigo 5º, inciso III, estabelece que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, tratando-se de princípio que ecoa a normatização internacional – Convenção das Nações Unidas sobre escravatura (1926), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em duas das convenções fundamentais (29 e 105), aborda o trabalho escravo, traçando normas proibitivas e reforçando o estuário normativo interno que visa à sua erradicação – o que foi corroborado em 1998, com a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. O artigo 149 do Código Penal prevê o crime de se reduzir alguém à condição análoga à de escravo, submetendo-o a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes ou restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida – reforçado pela Portaria 1.293/2017 do extinto Ministério do Trabalho.

A Portaria Interministerial do extinto Ministério do Trabalho e da Previdência Social e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos  4/2016, dispõe as regras relativas ao cadastro de empregadores que tenham sido encontrados pela equipe móvel de fiscalização do trabalho, submetendo trabalhadores a condições análogas à escravidão. Segundo a citada Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH 4, após a prolação de decisão administrativa irrecorrível, o nome do empregador é incluído na chamada “lista suja”, pelo período de dois anos, durante o qual será monitorado pela Inspeção do Trabalho, de acordo com o artigo 3º.

Aos trabalhadores desempregados resgatados da condição de escravidão, a Lei 7.998/1990 garante assistência financeira temporária (artigo 2º, inciso I), consubstanciada em três parcelas de seguro-desemprego, no importe de um salário mínimo cada. Além disso, eles também devem ser encaminhados para qualificação e recolocação no mercado de trabalho, por meio do Sistema Nacional de Emprego (Sine), artigo 2º-C. Aos empregadores que estejam na lista suja, é restrito o acesso ao crédito em bancos estatais, bem como às licitações públicas.

O Supremo Tribunal Federal, na arguição de descumprimento de preceito fundamental 509 – ação em que se discutiu a constitucionalidade da portaria que veicula os nomes dos empregadores encontrados pela fiscalização trabalhista explorando mão de obra escrava –, entendeu que a chamada lista suja é constitucional, sendo dever do poder público divulgar os dados oficiais, em decorrência do princípio da publicidade (artigo 5, inciso LX), do direito à informação (artigos 5º, inciso XXXIII, 37, inciso II e 216, §2º, da CR) e em cumprimento à Lei de Acesso à Informação. Ademais, ressaltou a Corte Superior, a lista suja é um importante instrumento de concretização do direito ao trabalho digno e combate à escravidão.

* Mestre em direito e assessora de desembargadora do TRT3

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