Muitos não perceberam, em meio à maior pandemia do século, que os maiores afetados, na área rural, são os agricultores familiares, verdadeiros heróis anônimos e invisíveis. Como o isolamento social é única medida eficaz para diminuir a propagação do coronavirus, o fechamento do comércio, sobretudo, as restrições às vendas nas tradicionais feiras livres caíram como um raio na cabeça desses agricultores. Apesar desses problemas e diante do alto grau de incerteza, eles continuam garantindo a oferta na mesa dos brasileiros.
Pode-se especular que esses últimos 50 dias de pandemia, foram mais benéficos a esses agricultores do que os últimos 50 anos, na medida em que eles saíram da desconfortável “zona de conforto” para melhor se organizarem, unindo a vizinhos para criarem novos canais de vendas para os consumidores.
Responsáveis pelas lavouras, eles sofrem os riscos decorrentes das intempéries climáticas, além das perdas inerentes à sua natureza perecível, ao que se deve somar a falta de organização e de gestão, em aspectos de mercado. Portanto, essa pequena produção não consegue ser vendida fora de suas porteiras, ficando sujeitas à exploração dos atravessadores e dos caminhoneiros. Os poucos que conseguem ir aos mercados são aqueles que se associam para diminuir custos de fretes e diminuir a exploração da intermediação.
Foram implantadas as Centrais de Abastecimento, sendo pioneiras a Ceagesp, inaugurada em 1969, e a Ceasa/MG, em 1974, com objetivos de organizar o mercado atacadista, estimular a produção e melhorar o nível de organização dos agricultores. No entanto, sabe-se, hoje, que essa política pública desviou do seu rumo e acabou beneficiando, ainda mais, o segmento comercial, que assumiu o controle da maioria das Ceasas.
A partir de 1990, ocorreu um aumento de vendas nos grandes supermercados, que passaram a comprar direto nas zonas de produção, criando seus próprios centros de distribuição, sem passar pelas Ceasas. Outro avanço foi o incremento na produção orgânica, funcionando, dentro dos shoppings, mantendo-se o formato das feiras livres.
Como tendências, podemos esperar a saída do isolamento e incremento da ação conjunta desses agricultores, entregando diretamente aos consumidores, via sistema “delivery”, com uso do WhatsApp e das redes sociais.
Acredita-se que essa maior participação da agricultura familiar no mercado deverá fazer com que os atuais órgãos públicos de apoio ao homem do campo deverão se ajustar à nova realidade. A título de exemplo: as redes estaduais de assistência técnica e extensão rural, bastante sucateadas nos últimos anos, deverão ser reestruturadas para garantir um apoio técnico gratuito, de qualidade e, cada vez mais, voltado para a agricultura familiar.