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As vítimas não são mera estatística

Marco Regulatório dos Jogos tramita no Congresso

Por Roberto Lasserre
Publicado em 21 de janeiro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Está em pauta no Congresso o Projeto de Lei 442/1991, proposto pelo então deputado Renato Vianna (MDB-SC). O texto original era específico quanto à derrubada da proibição do jogo do bicho, entretanto outras ideias foram apensadas, e o projeto agora é o Marco Regulatório dos Jogos, incluindo apostas online e cassinos.

Para buscar informações, no fim de 2019, o deputado Leonardo Monteiro (PT-MG) fez um requerimento de audiência pública no Congresso convidando diversos setores. Segundo ele, há aspectos sociais, de saúde, religiosos e financeiros que precisam ser levados em consideração.

Um dos presentes foi o coordenador da Frente Parlamentar Mista pela aprovação do Marco Regulatório dos Jogos, deputado Bacelar (Pode-BA), que nas suas considerações finais afirmou que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência de pessoas com ludopatia no mundo está apenas entre 0,2% e 0,3%.

Existem problemas nessa declaração, a começar que a prevalência estimada vai de 0,1% a 6% da população, e não a 0,3% como afirmado. Os dados são do trabalho “Epidemiologia e Impacto do Jogo Patológico e outras Ameaças Relacionadas a Apostas”.

Chama atenção na declaração o desdém que Bacelar mostra ao mencionar esse índice, afirmando que o total de doentes é insignificante no debate da liberação. Se pegarmos o menor índice da estimativa da OMS (0,1%) e colocarmos na população brasileira (210 milhões de pessoas), são 210 mil pessoas com potencial para desenvolver compulsão patogênica por apostas.

Para efeito de comparação, segundo a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, a taxa de prevalência de esclerose múltipla é de 0,002%, sendo 40 mil doentes no Brasil – menos de um quarto dos possíveis ludopatas. Outra doença autoimune rara é a miastenia gravis, com prevalência de 0,03% segundo a OMS. No Brasil, se estima que haja 40 mil miastênicos, de acordo com o site da única empresa que fábrica o remédio de uso contínuo necessário para viver com a doença, o mestinon.

Em outras palavras, o descaso do deputado Bacelar com os ludopatas que surgirão no Brasil equivale a dizer que podemos deixar de lado todos os brasileiros portadores de esclerose múltipla, mais todos os miastênicos, e ainda sobram mais 100 mil doentes com outra patologia a serem jogados para escanteio. Isso se levarmos em conta só o índice de 0,1%.

E se você perguntar: quanto custa tratar um jogador patológico? Um estudo chamado “The Hidden Social Costs of Gambling”, feito pelo PhD Earl L . Grinols, professor honorário de economia da Universidade Baylor, localizada no Texas (EUA), responde a essa pergunta: US$ 9.393 anuais por paciente. Se somarmos metade da menor prevalência numa estimativa bem otimista, são 100 mil pessoas a serem tratadas, ou seja, um custo anual de cerca de R$ 3,7 bilhões, uma soma nada desprezível.

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