Opinião

Até que se prove o contrário

Crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher

Por Erick W. Couto
Publicado em 24 de abril de 2024 | 07:10
 
 
 
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Na hipótese de delitos cometidos em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, o entendimento dos tribunais brasileiros é assente no sentido de que se deve atribuir especial valor probante à palavra da vítima.

Tal medida é acertada, mormente em razão de que, na maioria das vezes, tais crimes ocorrem na clandestinidade e sem a presença de testemunhas, sendo as afirmações da vítima o único elemento probatório apto a contrapor eventual alegação contrária do agressor.

Dessa forma, não se há como, de fato, simplesmente ignorar que a vítima esteja agindo com honestidade, deixando de credibilizar suas alegações e permitindo, assim, que o eventual risco alegado tome proporções drásticas e muitas vezes irreversíveis.

No entanto, merece destaque o fato de que a presunção de veracidade das alegações prestadas pela vítima, em que pese possuir certo peso para o sistema de justiça, não é absoluta.

Com o advento da Constituição da República de 1988, estabeleceu-se no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade. Previsto no artigo 5, inciso LVII, traz sobre si a concepção de que o indivíduo não poderá ser considerado culpado senão mediante a incidência de uma sentença penal condenatória transitada em julgado.

A presunção de inocência, em outras palavras, é o status de não culpabilidade do indivíduo até que se prove de forma definitiva (com o trânsito em julgado da decisão) qualquer alegação em contrário.

Sendo assim, imprimir maior relevância à palavra da vítima em razão da comum clandestinidade na qual os crimes são praticados não implica o direito do órgão acusador ou julgador de suplantar ou afastar de forma absoluta a necessidade de standard probatório, violando, assim, a presunção de inocência – que é inerente à pessoa do indivíduo acusado, além de um princípio constitucional de matéria penal.

Não obstante, é necessário que o Estado demonstre de forma plausível, cabal e indubitável a ocorrência do delito, não podendo atribuir única e exclusivamente tal responsabilidade à palavra da vítima.

Dessa forma, é necessária a observação de alguns requisitos, entre eles a consonância com demais elementos indiciários de prova, com o fim de que se forme a convicção do julgador de maneira firme e segura, evitando, assim, a submissão de um indivíduo inocente ao cárcere e às mazelas do sistema prisional.

Sendo assim, é necessário que se realize por parte do Estado juiz um controle entre ambas as necessidades em discussão (palavra da vítima x presunção de inocência do acusado), com o fim de evitar que o sistema de justiça onere, de forma demasiada, um dos lados da “balança”, de modo que traga prejuízos, na maioria das vezes irreparáveis.

Vale dizer que, até que se prove o contrário, todo indivíduo possui o status de inocência.

Erick W. Couto
Advogado criminalista e professor de direito processual penal

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