Opinião

Evento da natureza: quando o poder público pode ser responsabilizado?

A relação entre o dano e a omissão do Estado

Por Luiz Paulo Dammski
Publicado em 22 de junho de 2022 | 03:00
 
 
 
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As fortes chuvas no Grande Recife e na Zona da Mata de Pernambuco, que devastaram diversas cidades, provocando alagamentos, derrubando árvores e ceifando vidas, além de causar transtornos aos moradores dessas regiões, levantaram uma questão importante. Em caso de chuvas como essas e acidentes da natureza, de quem seria a responsabilidade?

Vale destacar que esse tipo de evento acontece em todo o país, não exclusivamente naquela região, especialmente neste período do ano, em que grande parte do Brasil está passando por um período de chuvas fortes e inundações.

Obviamente, deslizamentos não devem ser eventos comuns, mas, em casos como este, existe, sim, a possibilidade de responsabilização do poder público por causa de enchentes decorrentes de chuvas.

O primeiro ponto que deve ser levado em consideração para se afirmar isso é verificar se esse alagamento é fruto de algo absolutamente imprevisível, que possa ser enquadrado como um caso fortuito, ou se é fruto de algo que, mesmo que não seja esperado, se encontra na esfera do previsível.

Quando falamos de chuvas fortes nesta época do ano, especialmente na região Nordeste do país, não se trata de algo inédito. Há certa previsibilidade e uma certa frequência nesses eventos. Portanto, não se trata de algo que esteja na esfera do imponderável ou imprevisível.

Mas de onde viria essa responsabilização? Da própria Constituição Federal, que atribui uma competência comum, tanto à União quanto aos municípios (artigo 23), de realizar o planejamento e o desenvolvimento das cidades, explicando nesse planejamento como vai se dar a implantação das estruturas públicas e como vai acontecer o escoamento das águas pluviais e prevendo ações de contenção. Tudo isso é competência tanto da União quanto dos municípios, mais dos municípios do que da própria União, na prática

No entanto, essa previsão constitucional abrange ambos, e não apenas a Constituição Federal traz essa previsão, como a própria Lei do Saneamento Básico (11.445/2007), que estabelece que o saneamento básico, compreendendo o conjunto de serviços públicos, infraestrutura e instalação operacional de dragagens, manejos de águas pluviais urbanas e por aí afora, tudo isso fica a cargo do município.

Dessa forma, temos a possibilidade de responsabilização do município e também da União. No entanto, o grande entrave para isso é a jurisprudência que vem sendo aplicada em casos como esses. Mesmo se tratando de responsabilidade civil, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem um posicionamento bastante sólido e entende que nesses casos a responsabilidade não é objetiva, mas sim subjetiva.

Mas o que é a responsabilidade civil subjetiva? É a necessidade de comprovação de existência de um liame objetivo entre o dano que foi causado e a omissão do poder público. A medida em que tudo isso aconteceu foi fruto de uma omissão do poder público, ou seja, da não implementação de sistemas hábeis a fazer com que essas chuvas escoassem, ou da omissão em fazer um planejamento urbano que fosse minimamente suficiente para evitar esse tipo de tragédia.

Nesse caso, é necessário demonstrar que essa omissão foi o que desencadeou a própria enchente. E esse ônus probatório é bastante difícil de se superar, por isso não vemos com tanta frequência ações judiciais pedindo responsabilização do poder público por causa de eventos como esses.

(*) Luiz Paulo Dammski é professor universitário e doutorando em direito pela Universidade Federal do Paraná. Também é sócio do escritório Dammski & Machado Advogados Associados 

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