Opinião

O MPMG e a tragédia de Brumadinho

As instituições e a Justiça mineira têm feito seu papel

Por Antônio Sérgio Tonet
Publicado em 04 de dezembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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No próximo dia 9 de dezembro, será realizada a terceira audiência de conciliação entre o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Governo de Minas e outras instituições de Justiça estaduais e federais para tratar de um acordo – dito global – proposto à mineradora Vale, com o objetivo de promover a reparação dos danos socioeconômicos causados pelo rompimento da barragem de Brumadinho, ocorrido em 25 de janeiro de 2019.

Atenções de todas as partes do mundo estarão voltadas para essa reunião, que pode concluir o maior acordo judicial já firmado no país. De um lado, de que fazem parte MPMG, Advocacia-Geral do Estado, Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, Defensoria Pública de Minas Gerais e Ministério Público Federal, as linhas mestras – premissas e valor do pedido (R$ 54 bilhões) – estão fechadas. Do outro, está a Vale e sua milionária banca de advogados, com valores e condições até agora apresentados incompatíveis com a dimensão humana, social e ambiental do crime cometido pela empresa.

Na posição de Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais, mandato que exerço desde dezembro de 2016 e que se encerra nesta sexta-feira, 4 de dezembro deste ano, procurei, desde as primeiras horas da tragédia, reunir todas as instituições públicas em uma verdadeira força-tarefa institucional para enfrentar a Vale, com vistas à célere responsabilização criminal dos culpados pelos hediondos crimes praticados em Brumadinho, reparação integral do meio ambiente e indenização completa em favor dos familiares das vítimas e dos atingidos ao longo da bacia do Rio Paraopeba.

Já nos dois primeiros dias, obtivemos o deferimento judicial de cautelares contra a Vale, bloqueando mais de R$ 10 bilhões. Em março e abril de 2019, respectivamente, as Ações Civis Públicas relativas às áreas socioambiental e socioeconômica foram propostas junto ao Poder Judiciário. Prisões foram decretadas. Perto de se completar um ano da tragédia, foi apresentada a denúncia criminal, que imputa a 16 pessoas homicídio doloso duplamente qualificado e diversos crimes ambientais, bem como atribui crimes à mineradora Vale e à alemã TÜV SÜD, empresas contra as quais também ingressamos com ações anticorrupção.

Além disso, o MPMG firmou 27 Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) e Aditivos com a Vale, sendo 10 relativos ao desastre de Brumadinho e 17 referentes às outras estruturas da mineradora.

Esses TACs possuem como objeto medidas emergenciais e de compensação relativas à tragédia de Brumadinho e a obras em outras regiões, assim como preveem a realização de auditoria independente para garantir a segurança de diversas minas. Além disso, os TACs injetaram na economia, até setembro de 2020, aproximadamente R$ 7,6 bilhões relacionados ao rompimento em Brumadinho e R$ 600 mil em outras cidades, como Barão de Cocais, Nova Lima e Ouro Preto. Desses valores, R$ 1,5 bilhão foi gasto com o pagamento de auxílio emergencial, R$ 1,14 bilhão, em obras de reparação, e R$ 873 mil foram gastos em acordos individuais, entre outras rubricas.

Fundamental ressaltar que o possível acordo com a Vale não extinguirá essas ações, que terão suas tramitações na Justiça mantidas normalmente. O acordo também não tem, judicialmente, qualquer influência em negociações individuais ou coletivas já realizadas ou que venham a ser concretizadas entre a mineradora e os atingidos.

Nesse contexto, para assegurar aos atingidos o acesso à informação e a participação nos processos de reparação integral, está em curso o trabalho de assessorias técnicas custeadas pela Vale, como determinado pela Justiça após requerimento do MPMG.

Em fevereiro de 2019, foi aprovado, pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, com protagonismo do MPMG, o projeto de lei de iniciativa popular conhecido como Mar de Lama Nunca Mais, que deve servir como modelo para uma Política Nacional de Barragens.

O acordo em pauta também não se confunde com o pagamento de auxílio emergencial, e sim acrescenta à Vale uma obrigação que trará célere e efetiva reparação de danos, impactos e prejuízos socioambientais e socioeconômicos consequentes do rompimento.

Deverão ser contemplados projetos estruturantes voltados à reparação da área atingida, com impactos para a região e para os mineiros, de uma forma geral. O MPMG, juntamente com os órgãos e poderes fiscalizadores, como, em âmbito estadual, a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Contas, estará atento aos mecanismos de controle da aplicação dos recursos com o objetivo de que eles alcancem a finalidade para a qual serão destinados.

As discussões técnicas em torno de cláusulas, premissas, valores, projetos, muitas vezes disfarçam o que realmente permeia esse processo e toda a atuação de pessoas e instituições envolvidas, bem como nos impelem, sem trégua, para a busca pela Justiça. São 272 vidas perdidas em uma tragédia – além do rastro de destruição do meio ambiente – que, não temos dúvida, poderia ter sido evitada não fosse a postura gananciosa e criminosa da mineradora Vale. As instituições e a Justiça mineira, entretanto, têm feito seu papel e dado respostas à altura do que a população espera de nós.

Temos consciência de que, quaisquer sejam os valores determinados pelo acordo buscado ou as punições que resultem das ações judiciais em curso, nada trará de volta as vidas perdidas. Mas a função atribuída a nós pela Constituição da República e pela sociedade nos obriga e estimula a lutar pelo que for possível para que aqueles que ficaram possam se reconstruir e reconstruir suas vidas.

Estou seguro de que o MPMG, em todo esse tempo, contribuiu decisivamente para que o acordo global seja agora celebrado, sem prejuízo de uma resposta à altura da gravidade do fato que representa a tragédia de Brumadinho, outra triste página na história da mineração de Minas Gerais, cujo povo, pacífico por natureza, é capaz de levantes e inconfidências diante de iniquidades.

Despeço-me, com muita honra, do cargo de procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, com a consciência do dever cumprido, louvando o trabalho de todas as instituições e, nesse sentido, a determinação e o comprometimento da força-tarefa do MPMG, coordenada com competência pela promotora de Justiça Andressa Lanchotti.

 

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