Opinião

O que veio para ficar?

O direito do trabalho e a Covid-19

Por Laura Ferreira Diamantino Tostes*
Publicado em 13 de julho de 2020 | 03:00
 
 
 
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Em meio à pandemia do novo coronavírus (Covid-19), foram editadas pelo governo federal, as medidas provisórias 927 e 936, respectivamente, de 6 de março e 1º de abril de 2020, dispondo medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública.

A Medida Provisória 936/2020, após a aprovação nas duas casas do Congresso Nacional e sanção do presidente da República, foi convertida na Lei nº 14.020, de 6 de julho de 2020.

Trata-se de típica legislação de emergência cujas possibilidades jurídicas podem alterar os parâmetros interpretativos do direito do trabalho.

As normas emergenciais e transitórias autorizam a pactuação de acordo individual entre empregado e empregador, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição Federal.

Ressalte-se que, com a vigência da Lei nº 13467/2017, chamada de Reforma Trabalhista, foi demarcada a prevalência do negociado coletivamente sobre o legislado. Com a legislação de crise editada no atual cenário, foram privilegiados acordos individuais, contrariando o que foi estabelecido pela Constituição da República/1988, pois o artigo 7º, inciso XXVI, conferiu validade aos acordos e convenções coletivas de trabalho. Instrumentos resultantes da negociação coletiva e que envolvem a necessária participação do sindicato dos empregados.

Por meio dos acordos individuais, a Medida Provisória 927/2020, autoriza a instituição do teletrabalho; a antecipação de férias individuais; a concessão de férias coletivas; o aproveitamento e a remarcação de feriados; o uso de banco de horas; a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho – está suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto os demissionais –; o direcionamento do trabalhador para a qualificação; e o diferimento do recolhimento do FGTS relativo às competências de março, abril e maio deste ano.

A Lei 14.020/2020 (conversão da MP 936/2020) possibilita duas medidas que poderão ser objeto de acordo individual. A primeira delas é a redução proporcional de jornada de trabalho e a diminuição de salários. Já segunda trata da suspensão temporária do contrato.

O artigo 7º, inciso VI, da Constituição da República/1988, estabelece a irredutibilidade salarial, salvo se a alteração se der por acordo ou convenção coletiva de trabalho. O Supremo Tribunal Federal, por maioria, em entendimento manifestado na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6363 de abril de 2020, assentou a validade dos acordos individuais previstos na MP 936/2020, excluindo a necessidade de anuência dos entes sindicais como condição de validade do instrumento jurídico.

Assim, saltam evidências de que o acordo individual pactuado entre empregado e empregador, pode assumir posição de prevalência sobre a legislação trabalhista – em tese, respeitadas as normas constitucionais –. Isso pode ocorrer mesmo após o encerramento do estado de calamidade pública, em afronta à função teleológica e progressista do Direito do Trabalho, a qual não feneceu ante aos impactos da pandemia.

* Laura Ferreira Diamantino Tostes é mestre em direito e assessora de desembargadora do TRT-3

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