Opinião

Paradoxo do isolamento para crianças e adolescentes

Riscos da violência, do abuso e do trabalho infantil

Por Pedro Patrus
Publicado em 27 de julho de 2020 | 03:00
 
 
 
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Os 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) comemorados em julho trazem não só a reflexão do que tem significado esse marco jurídico para a garantia dos direitos da criança e do adolescente em nosso país. Mas, também, de como enfrentarmos desafios imensos para a proteção desse público. Em plena pandemia do novo coronavírus, o grande paradoxo, talvez, seja o ponto em que famílias estão em isolamento social para se proteger do vírus, mas muitas crianças e adolescentes estão encontrando nesse ambiente a violência dos abusos sexual e físico, do trabalho infantil, e, infelizmente, não têm encontrado formas para denunciar esses casos.

Em Belo Horizonte, segundo informações de conselheiros que participaram de audiência pública ocorrida na Câmara Municipal, durante esses meses de isolamento, houve quedas de denúncias pelo Disque 100. Em qualquer outra época, comemoraríamos essas informações. Porém, ao que tudo indica, a possibilidade é de uma enorme subnotificação. Muitas das crianças e adolescentes que sofrem violência encontram na escola ou nos equipamentos de atendimentos, o ambiente seguro para fazer a denúncia. Mas, diante da realidade de ficar o tempo inteiro com o abusador, não há o respiro, nem o espaço adequado para reivindicar sua proteção.

Os conselhos tutelares de Belo Horizonte têm se desdobrado para fazer o atendimento e, mesmo com a pandemia, continuam em funcionamento para acolhimento das denúncias. Mas, neste momento específico, é preciso fazer mais. O desafio imenso requer a participação de diversos segmentos. E isso inclui a escuta não só dos conselheiros tutelares como também de profissionais, principalmente psicólogos e assistentes sociais, que estão em atendimento das medidas protetivas ou socioeducativas.

É urgente o investimento na formação, na articulação e na elaboração de novos planos de atuação. A realidade nos impõe o desafio de chegar até as crianças e adolescentes que estão dentro de suas casas para saber o que de fato está acontecendo com elas, se estão vulneráveis, se necessitam de ajuda. É uma tarefa desafiadora, que exige de nós, preocupados com a garantia de direitos e bem-estar desse público, uma solução urgente e que seja pensada coletivamente.

Realizamos, em julho, audiência pública em que conselheiros, executivo municipal, trabalhadores, movimentos de luta pelos direitos da criança e do adolescente, debateram a realidade desses 30 anos e o desafiador momento da pandemia.

Uma das propostas é a criação de um grupo de trabalho para propor ações que respondam rápido a essa realidade. O tempo não é nosso aliado porque, enquanto, não houver esse enfrentamento, muitas crianças e adolescentes continuarão convivendo com seus abusadores, com danos físicos e psicológicos muitas vezes irreversíveis.

Neste momento, a pauta dos 30 anos do ECA passa pela pandemia. Logicamente, devemos comemorar imensamente essa data para a pauta dos direitos humanos, pois uma sociedade que protege a infância e a adolescência, certamente, se protege como um todo. Mas, precisamos refletir criticamente sobre a aplicação da lei e agir para reorganizar as políticas públicas essenciais para garantir os direitos a esse público.

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