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Quem é essa tal felicidade?

Ensinar aos filhos que também há momentos de luta ou de fracassos

Por Jacqueline Caixeta
Publicado em 22 de abril de 2024 | 07:00
 
 
 
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Ando refletindo bastante sobre uma fala muito recorrente de alguns pais. Nós pais, preocupados e cegos de amor pelos filhos, vivemos dizendo: “Quero que meu filho seja feliz. A felicidade dele é o mais importante”. 

Bem, com essa fala que desfila em conversas de pais de crianças, adolescentes e até jovens, nos perdemos em algum lugar que tento – como alguém que também fala – encontrar com minha sanidade mental e questionar essa tal “felicidade” que tanto almejamos para nossos filhos. 

Passamos a vida buscando alcançar o objetivo de fazer com que nossos filhos sejam felizes e, muitas vezes, não medimos esforços para que eles sejam de fato felizes. Vendemos para nossas crianças e adolescentes uma ilusão de que serão felizes. Mas que felicidade é essa? 

Se os filhos começam a ter problemas na escola, é bem comum ouvir de pais: “Quero que meu filho seja feliz aqui, se não estiver sendo, troco de escola”. 

Os pais chegam para conhecer a escola e já vão logo dizendo que o que importa é que o filho seja feliz. 

Os filhos, acreditando em nós, pais, acabam comprando esse peixe e acreditam que precisam ser felizes na escola. Na primeira rejeição, no primeiro não escutado, na primeira frustração, querem trocar de escola porque, afinal, querem ser felizes. 

Estamos vivendo com uma geração de jovens que não sabem abrir mão de seus prazeres e desejos, porque cresceram assim, acreditando que precisam ser felizes. Não importa o outro, não importa o desejo do outro, não importa o direito do outro, o meu direito de ser feliz está acima de tudo! 

São jovens que abandonam seus cursos na faculdade na primeira dificuldade, não estão acostumados e enfrentar desafios, a conhecer o fracasso, cresceram acreditando que serão, como num conto de fadas, felizes para sempre. Buscam a tal felicidade ao invés de encarar seus problemas, experimentarem a dor de perder, de não conseguir algo, de fracassar. Se tornam adultos frágeis emocionalmente porque acreditam, fielmente, na existência dessa felicidade que vendemos para eles em nossos discursos. 

Estamos criando filhos para acreditarem que ser feliz é estar, a todo momento, felizes. Quanta falsidade! Quanta crueldade estamos fazendo! Ninguém consegue ser ou viver em estado pleno de felicidade no mundo real. A realidade do cotidiano nos faz experimentar situações que nos deixam tristes, melancólicos, infelizes. Os desafios e os fracassos são muitos, e eu não posso criar alguém fazendo-o acreditar que nada disso existe e, o pior, que na felicidade, não moram os desafios e fracassos. 

Cada vez que os pais de uma criança lhe poupam o enfrentamento com uma frustração para que não sofra, não está ensinando seu filho que a vida é feita de um monte de nãos e que isso não quer dizer que não estará sendo feliz. 

Aprender a conviver com frustrações, rejeições, que irão enfrentar vida afora, é fortalecê-los e ensiná-los que a felicidade também mora no caminho percorrido, ela não está só no final. 

Mudar o percurso na vida profissional é válido, desde que seja por questões maiores do que o simples fato de acreditar que em nova carreira não terá desafios e momentos de profunda raiva, decepção e tristeza. 

Nós pais, na verdade, sempre vamos querer que os filhos sejam felizes e não há nada de errado nisso, o que não podemos fazer é vender para eles a ideia de uma felicidade que não existe.  

Crescer sabendo que a felicidade pode existir em momentos de luta e de fracassos, deve ser algo a ser discutido e falado. Não há nada mais feliz do que vencer um desafio, não há nada mais feliz do que enfrentar um problema com seus próprios argumentos, mesmo que a resolução não seja o desejado, mas o fato de saber que podemos ser fortes, nos faz e traz uma felicidade incrível. 

Vamos criar nossos filhos para serem felizes sim, mas não vamos ser tão cruéis com eles a ponto de deixá-los acreditar que felicidade diz apenas do seu bem-estar, que o outro, as regras, os desafios, as frustrações não irão cruzar o caminho dessa tal felicidade. Nem por isso, ela vai deixar de existir. 

(*) Jacqueline Caixeta é supervisora pedagógica 

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