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Solidariedade e voluntariado: um paradoxo brasileiro

Engajamento em ações não acompanha generosidade dos cidadãos

Por Blenda Alves
Publicado em 30 de agosto de 2022 | 03:00
 
 
 
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Solidariedade e voluntariado. Duas palavras que miram para um mesmo sentido (ou seja, da fraternidade, da compaixão), mas que, na prática, revelam-se de forma bastante paradoxal na sociedade brasileira. Temos muitos solidários para poucos voluntários em nossa nação. Esta é a realidade que se impõe e exprime a enorme diferença que há entre “ser solidário” e “ser voluntário” – ao menos por aqui, no Brasil.

Temos a fama, e muito boa por sinal, de ser um povo caridoso, sempre a postos para intervir em momentos de tragédias ou catástrofes. Casos como o de Brumadinho (MG) e outros mais recentes, como as chuvas que devastaram cidades do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, são provas repetidas do imenso espírito altruísta que mobiliza os brasileiros. Em todas essas ocasiões vimos exemplos maravilhosos de generosidade, desprendimento e empatia.

Algo, aliás, que não é novidade. Podemos enumerar aqui centenas de outras situações semelhantes nas últimas décadas. É indiscutível, somos solidários!

Por outro lado, quando se trata de voluntariado, pode-se dizer que ocorre situação surpreendentemente inversa. O engajamento é muito pequeno, o que nos leva questionar a razão de tamanha dicotomia.

O dado oficial mais recente (Pnad Contínua 2019) aponta que só 4% da população brasileira se dedica a atividades do gênero – número baixo em comparação com os outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse contingente supera a marca de 30%.

Das razões, arrisco apontar aqui, uma das principais é a falta de envolvimento por parte das grandes corporações em projetos de voluntariado. Levantamento realizado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) e Instituto Datafolha mostra que apenas 15% das atividades voluntárias são organizadas por empresas. Um número também surpreendentemente baixo e que, sem dúvida, contribui para esse cenário.

Acredito fortemente que essa realidade pode mudar com a força do mundo empresarial, que tem pessoas, organização, comunicação e investimento em ações sociais.

O trabalho voluntário demanda enorme compreensão de gestão para que seja contínuo, precisa ser desenvolvido de forma racional, ter resultados mensuráveis, ser constantemente avaliado e respaldado por indicadores – exatamente como fazem as empresas.

O voluntariado corporativo tem o poder de agregar em um só ambiente pessoas, causas e a necessidade de transformação, além da cultura organizacional. A solidariedade, por sua vez, surge como primeiro passo (aliás, importantíssimo) para trilhar esse caminho. Quanto mais gente estiver nele, melhor.

Ambiente corporativo tem potencial aglutinador para o voluntariado

Como bem define uma música de Milton Nascimento e Fernando Brant, “um solidário não quer solidão”. De fato: o espírito de união é o combustível que mantém viva a disposição de dedicar-se ao próximo. Por isso o ambiente corporativo tem potencial imensamente aglutinador e, não tenho dúvida, é capaz de despertar a transformação de muitos “solidários” em “voluntários”.

A experiência nos mostra isso. Temos bons exemplos a seguir. Por aqui, desde 2014 a MRV&CO decidiu fomentar o voluntariado corporativo entre seus colaboradores com o Instituto MRV, e o incentivo já soma mais de 4.200 participações.

A crescente preocupação com a agenda ESG, tendo no voluntariado um aliado bastante estratégico com ações relacionadas ao “S”, é fator importante nessa conjuntura e deve servir para acelerar esse processo – assim esperamos e torcemos.

Até lá, cabe parabenizar e enaltecer sempre essa minoria de abnegados da pátria, nossos voluntários. Em homenagem a eles, no mês que se comemora o Dia Nacional do Voluntariado, encerro aqui repetindo uma fábula contada pelo sociólogo Herbert de Souza, o inesquecível Betinho, que narra o diálogo entre um beija-flor e um leão durante um incêndio em uma floresta.

O beija-flor ia do rio para o incêndio levando uma gotinha de água no bico. O leão, intrigado, perguntou: “Ô beija-flor, você acha que vai conseguir apagar o incêndio sozinho?” E o beija-flor respondeu: “Não sei se vou conseguir, mas estou fazendo a minha parte”

*Blenda Alves é coordenadora do Instituto MRV

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