Somos seres de impacto, provavelmente você se lembra muito mais de quando se formou do que de todos os dias em que esteve em sala de aula.
Muito do que você sabe até hoje é fruto de um processo lento e contínuo realizado por você e seus professores durante anos. Mas isso não tem o mesmo impacto do grande evento que encerrou esse período.
O mesmo acontece na saúde: valorizamos grandes performances cirúrgicas e intervencionistas e praticamente ignoramos o impacto de nossas ações cotidianas, embora saibamos que a construção de saúde é algo diário, realizada nos momentos não grandiosos, dos quais muitas vezes não nos lembramos por completo.
Comumente, o nosso processo de saúde é acompanhado por um médico não intervencionista, mas esse profissional parece ter menos poderes do que um médico que propõe uma grande operação.
O clínico geral, o médico da família, o clínico de dor... todos esses profissionais costumam conhecer o paciente com muito mais profundidade, pois os acompanham há anos. Ainda assim, seu conhecimento parece ser inferior ao do médico que se propõe a realizar algo que vai para a escala do grandioso e que não depende da ação do paciente. O médico se torna protagonista da vida desse indivíduo.
Eu entendo o apelo de poder abrir mão do controle de alguma parte da vida. É tentador entregar ao outro parte da responsabilidade pelo que nos ocorre. Precisamos nos responsabilizar por tanto na vida, que é quase irresistível deixar que alguém tome conta e resolva um problema sem precisarmos nos implicar tanto.
No entanto, não é raro que as operações cirúrgicas sigam um método protocolar, ou seja, o mesmo método para todos os pacientes, ignorando suas individualidades.
Para o paciente pode ser um dia grandioso. Para o médico, não é nada mais do que mais um dia, e nem sempre há o desejo de envolvimento com a história dessa pessoa que o procura.
A experiência de vida de cada um é única e se faz no cotidiano. Mesmo após um evento cirúrgico, algo precisa mudar para que não exista a necessidade de realizá-lo novamente.
Todo profissional da saúde precisa se propor a um envolvimento profundo com a pessoa que o procura. Se isso não ocorrer, o tratamento fica raso e, comumente, insuficiente.
Qual o papel de um profissional na construção da sua saúde?
Uma cirurgia de hérnia de coluna, por exemplo, se não for acompanhada por uma mudança de hábitos e outros cuidados, precisará ser realizada novamente.
Esses outros cuidados serão acompanhados por outros profissionais, que precisam ter autonomia, e não é coerente que suas percepções sejam inferiorizadas em detrimento de algum outro que não conhece o paciente tão bem quanto eles.