A cada tempo, criamos dores diferentes, dependendo do estilo de vida que adotamos. Geralmente o modo de viver não é assumido apenas por uma pessoa, mas por uma coletividade, e vira um senso comum, parecendo não ser um problema que o indivíduo pode evitar. Embora a condição seja coletiva, a solução, muitas vezes, precisa ser individual. 

Estamos acompanhando crianças, adolescentes e até adultos assumindo uma postura de cabeça muito anteriorizada, resultado do uso excessivo de telas, principalmente do celular, que nos mantém com a cabeça olhando para baixo, o que altera muito a anatomia da coluna. No começo, não parece um problema sério, mas, à medida que vai se intensificando, causa vários tipos de dores, de leve intensidade a fortíssima. 

Essas dores, inicialmente, são musculares, devido à sobrecarga da região posterior do pescoço e das costas. Parecem algo banal, que vai se resolver com um analgésico ou relaxante muscular. E, inicialmente, a medida aparenta solucionar mesmo, porém as dores voltam. E retornam cada vez mais fortes. Neste processo, muitas pessoas se tornam usuárias crônicas de analgésicos.

O fenômeno está tão expressivo que vem mudando rapidamente o perfil de pacientes da clínica de dor, com a qual eu trabalho há 33 anos. Quando comecei, os problemas de coluna eram relatados majoritariamente por pessoas mais idosas. Raramente eu atendia um jovem se queixando de dores que envolviam a coluna. Hoje a quantidade de pacientes jovens com problemas de coluna tem aumentado exponencialmente. 

Outro padrão que também mudou está relacionado com a própria coluna; antes os problemas envolviam, principalmente, a coluna lombossacra, e atualmente as dores estão muito mais relacionadas com a coluna cervical. 

Tudo isso me traz grandes reflexões: telas e celulares, grandes vilões deste fenômeno, não vão sair das nossas vidas. Comumente, condutas coletivas para solucionar problemas demoram muito e ocorrem quando o dano já está muito exacerbado. Por isso, acredito que a consciência e as mudanças de atitude precisam ser adotadas individualmente.

Não devemos tratar somente a dor, sem saber suas causas. E precisamos ficar atentos a todas as dores que podem ser consequência de uma postura inadequada, principalmente entre crianças e adolescentes, que terão mais tempo de vida. Portanto, eles estão sujeitos a sofrer mais danos estruturais, que não ficarão restritos aos músculos e tendem a atingir discos intervertebrais e acometer nervos e medula. Isso representa uma gravidade muito maior do que somente as dores, podendo causar até mesmo perda de movimentos e demandar correção cirúrgica.

Estar atento a esses riscos e estabelecer estratégias para um uso mais racional do celular, inclusive se importando com um condicionamento físico que pense nesses fatores de riscos para problemas na coluna cervical, é um excelente começo para evitar graves problemas futuros.