Meira Souza

Opioides e a importância de se conhecer a dor

Atacando o mal pela raiz

Por Meira Souza
Publicado em 24 de setembro de 2022 | 03:00
 
 
 
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Sou muito grata a minha jornada como médica, acredito ter encontrado um caminho que se aproxima ao máximo, respeitando a realidade de cada um, do que identifico como saúde verdadeira.

No entanto, às vezes me espanto com as afirmações feitas por pessoas que acompanhei em minha trajetória. Escuto de alguns profissionais da dor que prescrevemos menos opioides do que deveríamos.

Opioides são uma classe de medicamentos derivados de morfina que são conhecidos por sua potência em aliviar dor. É muito comum eu escutar dos meus pacientes, quando se consultam comigo, após terem ido a um pronto-atendimento, que receberam aplicações de morfina.

Opioides dão somente sensação de alívio da dor

O fato de isso ser visto como solução me assusta muito, considerando que os opioides não tratam a causa de nenhuma doença e somente dão a sensação de alívio de dor; digo sensação porque, de fato, o que ocorre é uma abstração da dor.

Dor existe sempre que alguém refere que ela existe, então a eliminação da queixa elimina a dor?

A anestesia, na maioria dos casos, não elimina o fator primário que criou a dor, ou seja, não sentir dor não significa que não tenha um problema de saúde.

Esta é uma classe de medicamentos que eu acho muito complicada, porque sua prescrição cria duas situações delicadas.

Opioides afastam paciente de procurar a causa da dor

A primeira é aquela com que convivo diariamente, na qual seu uso afasta o paciente da possibilidade de se envolver com um problema de base.

O paciente toma o opioide, fica sem dor e não se importa em cuidar das fragilidades que estão causando a dor: sarcopenia, artroses, desvios... O que faz com que o problema só piore, até que um dia aquela medicação não é mais o suficiente, e o paciente investe em algo mais pesado até não ter mais para onde correr.

A despeito de os opioides terem um espaço de prescrição interessante durante uma cirurgia, no pós-operatório e em algumas situações cuja possibilidade de cura não é mais real, ele deveria ser muito questionado nas dores crônicas. É necessário investir muito mais em cuidar do paciente do que somente aliviá-lo, deixando a doença piorar.

Dependência e tratamento

Devemos lembrar também que se trata de uma classe de medicamentos que geram dependência, então devem ser usados com critério, e não como prioridade.

Não é raro que pacientes após a primeira prescrição de opioides já tenham dependência.

A condição de dependência de uma droga lícita não é diferente daquela de uma ilícita. Para consegui-la, a pessoa é capaz de mentir, roubar e até matar.

Ao nos depararmos com pacientes drogadictos, nós os julgamos duramente e esquecemos que a maioria deles começou sua experiência com a medicação em uma prescrição médica, e a partir daí a pessoa se vê refém, muitas vezes, perdendo toda a dignidade para conseguir a medicação.

Portanto, em minha opinião, ainda nos falta tratar dor melhor, mas não considero que a melhor forma de tratar dor seja usar opioides.

Precisamos, em primeiro lugar, cuidar daquilo que realmente está doendo. (Instagram dra Meira Souza)

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