A bula é um documento legal sanitário que traz orientações sobre o modo de uso de medicamentos. É uma ferramenta fundamental para o consumidor e para os profissionais de saúde, pois informa os riscos e a forma correta de fazer uso daquele determinado remédio.
“O fato de um medicamento causar efeitos colaterais ou reações adversas, por si só, não configura defeito do produto se o usuário tiver sido previamente e devidamente informado e advertido sobre tais riscos inerentes, de modo a poder decidir, de forma livre, refletida e consciente, sobre o tratamento que lhe é prescrito, além de ter a possibilidade de mitigar eventuais danos que venham a ocorrer”, disse a ministra Nancy Andrighi.
Esse comentário deixa claro que o problema não é a medicação ter um efeito colateral, e sim este não estar informado na bula da medicação. Em função disso, as bulas são cada vez maiores e detalhadas e também “assustadoras” porque descrevem tudo que porventura pode causar.
Com tantos possíveis problemas descritos nas bulas, é mais que natural que exista certo pânico. No entanto, tudo que estiver escrito na bula de um medicamento prescrito e por acaso o paciente venha a ter torna-se, então, uma responsabilidade do médico, e não do medicamento.
Não raramente, quando o paciente tem algum efeito colateral com alguma medicação, esse efeito está escrito na bula. O paciente questiona o médico, quase dizendo: “Doutor, você sabia que poderia causar esse efeito? Por que ainda assim me prescreveu essa medicação?”. Sinto vontade de responder: “Porque, se for balizar pela bula, não prescrevo nada”.
O que representa uma proteção para o laboratório acaba se tornando uma vulnerabilidade para o médico. Não existe remédio sem efeitos colaterais: remédios representam um risco. Em um mundo ideal não adoeceríamos e não precisaríamos de medicamentos. No entanto, apesar de em minha prática eu priorizar outros recursos, isso nem sempre é uma possibilidade.
Outra questão complexa é estatística: porcentagem dos riscos. Mesmo que um efeito colateral tenha uma incidência muito baixa, 0,001%, se ocorre um caso a cada 100 mil pessoas, para aquela pessoa e seus familiares, é como se fosse 100%. Quando se trata de pessoas, estatística não funciona como em outras situações. Todo risco é risco.
Em tempos em que tudo é judicializado, a bula mais parece um documento para proteção jurídica do laboratório. O que se distancia um pouco de sua função primeira. O bom senso ainda é a melhor solução sempre.
Escrevi este artigo a pedido de um leitor nas minhas crônicas e paciente que me questionou sobre o hábito que tem de ler a bula de todos os remédios. Em conversa no consultório, eu o frustrei dizendo que nós, médicos, ou pelo menos eu, não estudamos bula. Aprendemos sobre os remédios em outros livros. Pois, se aprendêssemos nas bulas, jamais prescreveríamos um remédio. E ele fez uma expressão de surpresa.
O fato é: ler a bula pode ser esclarecedor ou enlouquecedor. O ideal mesmo é se informar adequadamente com o médico sobre os riscos e as interações da medicação prescrita e, principalmente, buscar ter um estilo de vida muito saudável e utilizar medicamentos somente em situações muito necessárias e sempre na menor dose e pelo menor tempo necessário para evitar efeitos colaterais e reduzir a possibilidade de riscos. Sempre tendo em mente que viver é, acima de tudo, correr riscos e que jamais vamos conseguir evitá-los totalmente.
É sempre bom buscar uma conexão protetiva favorável.