Fantasia rasgada

O crescimento dos crimes sexuais no Carnaval de Belo Horizonte, enquanto até o roubo de celulares caiu, lembra quanto é difícil fantasiar uma realidade perversa. Segundo levantamento da Polícia Militar, os registros de assédio, importunação e estupro foram 50% maiores do que no ano anterior.

A violência contra a mulher é a única que resiste à retração nas estatísticas criminais observada pelo Ministério da Justiça. No ano passado, em levantamento realizado pelo jornal “Folha de S. Paulo” com dados dos Estados, foram 1.310 mortes por violência doméstica ou de gênero, quase quatro homicídios a cada dia.

Minas foi responsável por 10% desses casos, mas, segundo o estudo, houve queda em relação a 2019.

Nem mesmo o endurecimento das penas, com a qualificação do crime de feminicídio podendo render de 12 a 30 anos de prisão para os autores, foi capaz de conter essa situação.

A desumanização da mulher, reduzida a um objeto de satisfação da libido ou da ânsia de exibição de poder masculinas, reflete um discurso de submissão construído histórica, social e culturalmente e que nem precisa da liberdade de um Carnaval para ganhar as ruas.

Para a socióloga Wania Pasinato, do Escritório USP Mulheres, existe no Brasil uma desigualdade de gênero estrutural. Um traço cruel que a sociedade nacional insiste em reservar a elas – e ainda mais virulentamente quando são negras.

Ainda que neste ano a festa da capital tenha sido marcada pelas manifestações de inclusão e que a tatuagem “Não é não!” tenha estampado corpos femininos e masculinos indistintamente, o avanço dos crimes sexuais mostra que, apesar de o homem encampar o discurso, ainda levará um tempo ele verdadeiramente se colocar na pele da mulher.