A sintonia entre piloto e navegador é fundamental para um bom desempenho dentro de uma competição off road. Qualquer detalhe pode fazer uma grande diferença, comprometendo no resultado final. Ter, no carro, marido ou mulher, pode contribuir para um melhor desempenho, com o conhecimento entre os dois sendo uma vantagem antes mesmo de partir para o local das provas. No Rally dos Sertões deste ano, uma dupla mineira vai desbravar sua primeira experiência dentro da categoria Cross Country. 

Durante uma semana, Priscila Nogueira Maciel e  Leonardo Lanziotti vão tentar colocar em prática o que fizeram nos últimos seis anos em provas de rally. 

Eles querem, em 2020, ir além do vice-campeonato que tiveram no Sertões dentro da categoria Turismo. 
"Gosto de dizer que o rally começa muito antes da largada. Neste ano, realizaremos um sonho que vem sendo trabalhado há muito tempo. O fato de sermos um casal com o mesmo objetivo é nossa principal vantagem. Dividimos todas as decisões, abdicamos juntos de muita coisa para estar lá. Pelo fato de estarmos  juntos há quinze anos, sintonia não falta, e isso ajuda muito", comenta Priscila.

Para a edição deste ano, o formato será de 'bolha', sem um dos maiores prazeres do pilotos, que é conhecer e conviver diretamente com as comunidades do interior do Brasil. A competição começa no dia 30 de outubro em Velocittá (SP) e termina no dia 7 de novembro, em Barreirinhas (MA).

Confira a entrevista exclusiva com a navegadora, esposa e  analista de fraudes bancárias.

Você começou por influência do seu marido? 


Iniciamos os rallys juntos. Por pura sorte, quando adquirimos uma caminhonete da Mitsubishi, fomos convidados pela concessionária para participar de uma prova que a marca promovia em Tiradentes. Ali, foi paixão à primeira vista pelas competições. Iniciamos nos rallys de regularidade na categoria Light, onde tudo é muito mais controlado e focado na diversão. Mas, depois que se tem a sensação da disputa, o desejo de competir e se testar em maiores desafios é inevitável. Estamos há seis anos competindo. De lá para cá, os rallys passaram a representar uma parte muito importante das nossas vidas. Somos conhecidos como um casal totalmente ligado ao off-road e nunca disputamos nenhuma prova separados.

O que achou da ideia sugerida pra ser navegadora, em um primeiro momento?

Navegação de rally é um desafio assustador em primeiro momento. Brincamos que um bom piloto pode ganhar uma prova mas, um mínimo erro de navegação, vai arruinar suas chances. No início, o número de informações que o navegador trabalha em uma situação de extrema adrenalina é algo que apavora a maioria dos menos experientes. Tive muito medo e insegurança nas primeiras provas, ansiedade daquelas de não conseguir dormir na noite anterior. Mas, com o tempo, tudo vai fazendo mais sentido, você consegue ficar mais confiante nos seus ajustes e passa a tomar decisões de forma mais assertiva. Tudo acontece muito rápido em um carro de rally, não dá pra pensar duas vezes.

No que precisou focar para cumprir bem sua missão?

Diferentemente das provas de corridas em circuitos, como a maioria das pessoas conhecem no automobilismo, o rally é uma prova disputada sem um itinerário conhecido. Quando largamos, não sabemos para onde vamos, o único jeito de conseguir chegar no final é confiar no caminho que está descrito na planilha de navegação. Antes de qualquer coisa, o navegador tem que se concentrar em não se perder pelo caminho. Primeiro temos que acertar todo trajeto, depois vem a preocupação com a performace.

Quais as vantagens e desvantagens de estar ao lado do marido em uma competição como esta?

O Rally Sertões representa um desafio extremo, serão sete dias de prova com mais de cinco mil quilômetros  em que se pode esperar de tudo. Estar com meu marido representa uma grande segurança. Tivemos que caminhar muito e direcionamos esforço e energia de trabalho para concretizar essa oportunidade. Sem muita parceria e sintonia dificilmente teríamos chegado tão longe. Gosto de dizer que o rally começa muito antes da largada. Neste ano, realizaremos um sonho que vem sendo trabalhado há muito tempo. O fato de sermos um casal com o mesmo objetivo é nossa principal vantagem. Dividimos todas as decisões, abdicamos juntos de muita coisa. Pelo fato de estarmos juntos há quinze anos, sintonia não falta, e isso ajuda muito na hora de transmitir as informações dentro do carro, mesmo que em velocidade máxima. Como em toda competição, é normal que uma briguinha ou outra aconteça ao longo da prova, conhecemos algumas duplas que se separaram por desentendimentos durante a corrida. Pra nós, não tem escapatória, a dupla vai ter que voltar para casa junta. Acho que as vantagens certamente são muito superiores aos problemas. 

Há quanto tempo participa de competições? Quais os melhores resultados obtidos até aqui?

Estamos competindo há seis anos. Aos poucos, fomos subindo todos os degraus do esporte, iniciamos nas provas de regularidade nas quais passamos por todas as categorias, da Ligth até a Master. É uma escola e uma família incrível. Fomos campeões mineiros em 2018 na categoria Graduados do Regularidade. Esse ano fizemos esse grande salto para o rally de velocidade Cross Country. 

Já participou do Sertões anteriormente? Qual foi o resultado?

Em 2017, pudemos sentir o gosto do Rally dos Sertões. Terminamos em 2º lugar no regularidade categoria Turismo. É um evento muito grandioso, move milhares de pessoas por uma parte muitas vezes ignorada do nosso país. Com certeza é a maior competição do ano. No rally de velocidade Cross Country, iremos fazer nossa estréia esse ano. 

Percebe 'olhares estranhos' em alguns momentos, pelo fato de ser mulher, ou isso é algo que ficou para trás?

Graças às outras meninas que já desbravaram essa barreira antes de mim, acho que o fato de ser mulher já não assusta tando. Tenho muito a agradecer aquelas que nesses 28 anos que o Sertões existe se dispuseram a enfrentar um desafio tão intenso física e mentalmente. Ainda é uma competição majoritariamente masculina, mas nada que incomode. Pelo contrário, sempre fui muito bem acolhida e nunca me senti menosprezada. Lógico que, como toda dupla estreante, notamos que causamos certa estranheza e desconfiança dos mais veteranos. Mas isso faz parte do jogo, estamos preparados para encarar o que o rally reservar para nós. 

Quais os desafios extras para mulheres que enfrentam o Sertões?

O rally Cross Contry é também um desafio físico, vamos passar mais de 12 horas dentro de um carro de competição em ritmo de prova, um calor extremo. A indumentária completa e todos os equipamentos de segurança garantem a integridade da dupla. Porém, sacrificam muito o conforto dentro de um veículo totalmente modificado para performar no off-road. Sem contar que quebras, pneus estourados, ficar atolado vez ou outra, são situações extremamente comuns e previstas ao longo de um rally tão  longo. Mas, além de todas essas situações de prova, em 2020 o Sertões vem com um diferencial a mais em termos da logística do desafio. Devido ao contexto de isolamento social pela pandemia de covid19, esse ano todos os competidores ficarão completamente isolados das comunidades. Enquanto em edições anteriores podíamos procurar um hotel para passar uma noite de sono ao longo das cidades-dormitório, esse ano estaremos confinados em “acampamentos bolhas” no meio do nada, sem nenhum contato com as cidades vizinhas. Já da pra imaginar como será mais desafiador e sacrificante atravessar o país por suas estradas mais remotas sem contar com itens de conforto e suporte externo.

 Existe uma 'união' entre as mulheres presentes na competição? Ou nem dá mto tempo para essa união transparecer entre uma etapa e outra?

Existe uma solidariedade natural entre as mulheres durante a competição. É natural que possamos contar um pouco umas com as outras principalmente nos momentos antes e pós prova. Mas, na hora que o carro acelera, não existe muito o que se ajudar, aí passa a ser cada dupla por si e contra o relógio, o mais rápido vence. Pelo fato do rally ser uma corrida em que se objetiva percorrer uma longa distância no menor tempo possível, as rivalidades são muito atenuadas e o espírito de solidariedade entre todos sempre prevalece. Estamos competindo contra os desafios de um percurso fora de estrada em uma natureza que não foi desbravada nem domesticada. Atravessar o sertão do país é o maior desafio. Muitas das vezes, os competidores param para ajudar outros concorrentes que ficaram pelo caminho. Tenho certeza de quem se dispuser a vivenciar o rally irá encontrar sempre mais amigos do que rivais. 

Você possui alguma meta de resultado?

Como toda maratona começa com o primeiro quilômetro, nossas metas são de superar um dia de cada vez. Lógico que o sonho maior é conseguir chegar em Barreirinhas dentro do tempo previsto pela organização de prova, queremos “sobreviver” ao desafio. A colocação final não é o foco mas sim completar uma grande aventura.