Eu nunca sei se Beatriz vai dormir no cinema ou não.

É um mistério. Minha esposa pode gostar de um filme e adormecer mesmo assim.

Ela pode não gostar de um filme e permanecer ligada até o final. 

Ela também tem apagadinhas, que não significam não assistir: fecha as pálpebras por alguns minutos, em rápido cochilo, e logo volta para a história com toda a sua atenção. Recupera o fio da meada dos personagens com sua sagacidade dedutiva de advogada.

Não encontrei um padrão de comportamento. Já a vi ir para a sessão exausta após maratona no trabalho e aguentar tudo. Já a vi ir descansada no fim de semana e hibernar desde a largada. Já a vi com olhos arregalados em película densa, parada, arrastada de três horas. Já a vi capotar em suspense e terror, alheia aos sustos dos demais espectadores.

Nem a pipoca e o refrigerante são termômetros. Ela não dorme só depois de consumir os produtos. Às vezes, a pausa inclui o início da comilança ou o meio. Sempre dividimos o pacote e o refil. Eu termino a sessão catando os milhos sem concorrência.

O cinema exerce nela um feitiço da paz e da quietude, sob o qual não será incomodada. Talvez se sinta segura na sala escura, na poltrona macia, ao meu lado. Mergulha num transe com a projeção da luz, numa hipnose auditiva com o jogo de sombras. 

Quando ela apaga, deseja que eu narre o final no carro.

– O que aconteceu? Como acabou?

Confesso que eu oferecia resistência para reconstituir o desfecho, para resumir a trama.

Não se tratava de preguiça, tinha mais a ver com minha má vontade. Eu me sentia traído pelo seu sono repentino de Cinderela e pretendia descontar a minha raiva impondo o castigo do silêncio.

Pois eu entrava no cinema com ela e saía mentalmente sozinho. Não me restava ninguém para discutir o valor da obra, a performance dos atores, a direção do cineasta, a cenografia, a fotografia, o figurino, a trilha sonora, os efeitos especiais durante o jantar. Extraviava-se minha comparsa de análises cinematográficas.

Além disso, lamentava que ela havia perdido um grande filme – dificilmente compraria novo ingresso.

Ou, quem sabe, meu laconismo buscava não estragar a esperança remota de uma reprise – nada a impediria de uma repescagem no streaming.

Depois de várias recusas de minha parte em entregar o “the end”, ela me desarmou com seu imenso amor:

– Eu prefiro ouvir com a sua voz, com o seu jeito, a acompanhar na tela.

Para a nossa relação jamais ter fim, não me custa nada contar o fim dos filmes. É uma boa troca.

Se, no começo do nosso hábito, eu era invasivo, e a cutucava, e a chamava ao ouvido, criando formas de despertá-la, hoje eu a deixo quieta. Quer dormir, durma. Não vejo mais como desperdício, como dinheiro posto fora. O ingresso já valeu a pena se ela conseguiu colocar o sono em dia.

Eu ajeito a sua cabeça no meu colo, dou um beijo na sua testa, e me mantenho imóvel na posição para não desacomodá-la.

Agora o complicado é não dormir junto, escutando aquela irresistível respiração soletrada, a sinfonia da confiança.